Após mais de três anos de uma das mortes devido à intervenção policial com mais repercussão no Ceará, dois dos três policiais militares acusados foram punidos administrativamente. Nessa quarta-feira (25), a Controladoria Geral de Disciplina (CGD) publicou a demissão do sargento Enemias Barros da Silva, afirmando que o PM é culpado pela morte do menino Mizael Fernandes da Silva.
Para o soldado Luiz Antônio de Oliveira Jucá ficou decidida punição com 10 dias de permanência disciplinar. Segundo a CGD, ele não disparou contra a vítima, mas tentou a fraude processual junto ao sargento. Já no caso do soldado João Paulo de Assis Silva, o processo disciplinar foi arquivado, "por insuficiência de provas para consubstanciar uma sanção disciplinar (a saber, suposta prática de fraude processual), ressalvando a possibilidade de reapreciação, caso surjam novos fatos".
Mizael dormia na casa de uma tia, na cidade de Chorozinho, Região Metropolitana de Fortaleza, quando foi assassinado. Na madrugada de 1º de julho de 2020, policiais invadiram a casa da família afirmando estarem em busca de um traficante e dispararam contra o adolescente.
DECISÕES ADMINISTRATIVAS
A Controladoria afirma que "não há dúvidas de que na vertente noite, o 1º SGT PM Barros após lesionar e matar o adolescente que se encontrava deitado/dormindo na residência da sua tia, na sequência, em companhia do SD PM Jucá, passaram a inovar de forma artificial o local de crime, a fim de se esquivar da responsabilidade ante a desastrada ação verificada".
"Apenas o 1º SGT PM Barros, entrou no compartimento em que se encontrava o adolescente deitado/dormindo, e efetuou um único disparo de fuzil. Demais disso, após o disparo, os militares teriam aguardado a chegada de outras equipes (viaturas) que se encontravam nas imediações e que também participavam do cerco ao imóvel, recolheram a vítima, colocando-a na viatura, e entraram novamente na residência com uma espécie de borrifador e depois de algum tempo saíram, levando o edredom de cama, em que a vítima se encontrava quando foi alvejada"
Nos autos, o sargento alegou que tentava capturar um criminoso "supostamente homiziado em uma residência". O órgão considera ser injustificável a atitude do militar, "posto que na condição de agente da segurança pública detém expertise para preservar vidas e não destruí-las".
A Controladoria indica que Enemias está incapacitado de permanecer na ativa.
ACUSAÇÕES DO MPCE
Em 2022, o Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou os três policiais militares por envolvimento no crime, sendo apenas o sargento acusado diretamente pelo homicídio.
"Por volta de 1h da madrugada, com a informação de que o criminoso estava escondido em uma casa de muro roxo no Residencial, os agentes de segurança cercaram a casa que Mizael encontrava-se, e que pertencia a sua tia, e ordenaram que todos os ocupantes do imóvel saíssem. Com exceção de Mizael, que estava dormindo em um dos quartos, todos saíram da casa e, na sequência, Enemias Barros da Silva entrou no imóvel".
O MP diz ainda que: "pouco tempo depois, o PM teria efetuado um disparo de arma de fogo contra o adolescente. Ao terem conhecimento do ocorrido, Luiz Antônio e João Paulo, juntamente com Enemias, não permitiram que a família da vítima adentrasse na casa e, pouco depois, colocaram Mizael na viatura e levaram o adolescente para o hospital, onde já chegou sem vida. Na sequência, os três PMs se dirigiram até a delegacia plantonista para prestar declarações e apresentar a arma que diziam estar em posse da vítima. Os policiais informaram ainda que Mizael estava armado quando a Polícia entrou na casa e não atendeu a ordem de se render, o que teria motivado o disparo por parte da PM".
Ainda conforme os promotores, o trio teria ainda interferido na cena do crime, com possível objetivo de dificultar o trabalho das autoridades na elucidação do crime. Na época do envio da denúncia, a defesa dos policiais acusados dizendo não ter, até então, conhecimento da acusação.
Já segundo inquérito da própria PM, os militares dizem ter agido em legítima defesa, porque o adolescente estava armado.
O laudo cadavérico feito no corpo do adolescente apontou que foi encontrada apenas uma entrada de tiro, na região próxima ao peito do jovem, que se encontrava deitado no colchão.
A perícia ainda constatou não haver traços genéticos do adolescente na arma de fogo apresentada pela composição investigada. Os três policiais militares acusados ainda são alvos de um processo disciplinar com apuração na seara administrativa, "estando este, atualmente, em trâmite processual", disse a Controladoria.
QUEM ERA O ALVO DOS PMS
O processo segue em segredo de Justiça. No entanto, a reportagem apurou que o real alvo dos policiais militares na madrugada de 1º de julho de 2020 era um homem, com alguns traços físicos semelhantes aos do garoto, e que, caso fosse entregue morto à traficantes, seus matadores poderiam ser recompensados em até R$ 50 mil.
A reportagem ainda apurou que o alvo da intervenção policial foi ouvido pela Justiça no ano passado e disse às autoridades que não tinha envolvimento com Mizael e sequer o conhecia.