Análises de DNA povoam o imaginário popular principalmente por causa de séries policiais. Traços de material genético - como fios de cabelo, sangue e outros materiais biológicos - são coletados em cenas de crimes, levados a laboratório e, com sorte, apontam possíveis suspeitos. Na prática, uma tecnologia semelhante é utilizada no Brasil e no Ceará, permitindo a resolução de delitos que vão de estupros a assassinatos.
O Estado viu crescer as contribuições à Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), formada por 23 laboratórios de genética forense vinculados a unidades de perícia estaduais, distrital e federal. Segundo o relatório mais recente, o Ceará tem cadastrados 11 mil perfis - 6º maior número do Brasil - e já teve 45 investigações auxiliadas pelo Banco.
Em 2014, quando o Ceará aderiu à Rede, tinha apenas 22 perfis cadastrados. Até 2020, acumulava cerca de 3 mil, mas o número deu um salto expressivo nos últimos anos até chegar aos atuais 11.374, compilados até novembro de 2023.
A maioria dos perfis no Ceará é de condenados (9.307), seguidos por vestígios de crimes (952) e restos mortais não identificados (611). Os demais 500 perfis se enquadram em outras categorias.
Ainda conforme os dados coletados, a maioria dos perfis genéticos de vestígios inseridos no Banco do Ceará está relacionada a crimes sexuais, seguida por crimes contra o patrimônio e depois a crimes contra a vida. Já na análise dos indivíduos cadastrados criminalmente, há uma pequena inversão: a maioria foi registrada por crimes contra o patrimônio; depois, crimes contra a vida e crimes sexuais.
Segundo a administradora do BPG-CE, a perita criminal Teresa Cristina Lima da Rocha, os materiais podem ser coletados tanto no local do crime quanto em presídios. Por lei federal, ficou determinada a obrigatoriedade da identificação do perfil genético de condenados por crimes de natureza grave, como homicídios, latrocínio, sequestro e estupro, ou ainda por meio de determinação judicial ou solicitação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa.
No Ceará, uma equipe da Perícia Forense (Pefoce) vai a unidades prisionais de 15 em 15 dias para realizar essas coletas e, posteriormente, processá-las em laboratório. Uma vez que os Estados aderem à Rede e alimentam o banco nacional, as instituições conseguem fazer o cruzamento de dados.
Cada Estado faz a alimentação do seu banco, de forma separada. Semanalmente, os dados que eu coloco aqui no Ceará são enviados para Brasília, onde fica o Banco Nacional”, explica Teresa. “É o Banco Nacional que faz a busca e a comparação entre todos os dados dos Estados. Caso haja alguma coincidência genética, eles enviam o relatório para aquele Estado onde houve a coincidência.
Questionada sobre o menor número de investigações auxiliadas em relação a outros Estados, mesmo tendo um banco maior, a perita garante que não há uma coincidência estatística. “Claro que quanto mais eu inserir perfis, mais chances vou ter de obter coincidência genética - mas também não sou obrigado ter”, pondera.
Nas últimas três semanas, o Diário do Nordeste também buscou entrevista com representante da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) para comentar o uso do Banco na prática das investigações, os benefícios do método e se há planos para aumentar a parceria com a Pefoce, mas foi direcionado a se dirigir apenas à Perícia.
Como funciona o Banco?
Criada em 2013, a RIBPG surgiu para auxiliar tanto a apuração criminal e a instrução processual, além de ser ferramenta para identificação de crimes em série, possíveis autores de delitos e instrumento de revisão de condenações “equivocadas”.
Outra utilização dos bancos é a identificação de pessoas desaparecidas. Perfis oriundos de restos mortais não identificados, bem como de pessoas de identidade desconhecida, são confrontados com perfis de familiares ou de referência direta do desaparecido, tais como material genético coletado de escova de dente ou roupa íntima.
“Às vezes, pessoas que procuram parentes vêm na Pefoce, ou fazem um boletim de ocorrência na Delegacia de Desaparecidos, e dão material deles para ser inserido no banco também; ele só é comparado com restos mortais não identificados”, afirma Teresa Cristina.
Os bancos genéticos têm caráter sigiloso, tendo acesso restrito e controlado. Conforme a RIBPG, o administrador que permitir ou promover a utilização deles para fins diversos dos previstos em lei ou em decisão judicial responderá civil, penal e administrativamente.
Investigações auxiliadas
Para a Rede, uma investigação auxiliada ocorre quando o banco de perfis genéticos “adiciona valor ao processo investigativo”. Até o dia 28 de novembro de 2023, a RIBPG apresentou ao poder público 7.588 coincidências confirmadas, tendo contribuído em 5.607 investigações. Destas, 45 foram no Ceará.
Essa ajuda ocorre por tipos de coincidências, que podem ser:
- Entre vestígios: ocorre quando dois ou mais vestígios são ligados ou quando há coincidência entre vestígios e restos mortais não identificados. Isso cria ligações entre crimes cometidos contra diferentes vítimas e/ou em diferentes locais de crime e pode indicar a existência de estupradores e assassinos em série, além de organizações criminosas. O Ceará teve 24 coincidências desse tipo;
- Entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente: essas têm a capacidade de apontar a autoria de um crime e são tidas dentro do processo penal como prova de alto valor para indicar o autor de um delito. No Ceará, foram aferidas 46.
Na contagem oficial, uma dada investigação só pode ser auxiliada uma única vez. Por isso, no caso do Ceará, existem mais coincidências confirmadas do que investigações auxiliadas, visto que uma mesma investigação pode ter várias coincidências associadas.
O indicador “investigações auxiliadas” é o que mais se aproxima do índice “casos resolvidos”, mas este segundo tipo depende do resultado do processo judicial, no qual outras provas podem ser utilizadas para se estabelecer a culpa ou a inocência dos acusados.
Só coincidência não é suficiente
Um dos casos mais importantes auxiliados pelo Banco de Perfis Genéticos do Ceará foi a identificação do corpo da travesti Babaluket, encontrado sem vida na Praia do Pecém, em setembro de 2022. Seis meses depois, em março de 2023, exames de DNA entre a mãe da vítima e ela comprovaram a suspeita.
“O perfil de uma irmã dela estava no Banco, porque ela estava na busca de pessoas desaparecidas. Então, depois, foi encontrada uma ossada, sem identificação, que foi inserida no banco genético e deu a coincidência”, lembra Teresa. “Quando dão essas coincidências, a gente vai atrás de todos os dados, além do perfil genético, para analisar tudo, para saber a possibilidade daquilo ser verdade”.
Logo, apenas a coincidência do Banco não é suficiente para dar o caso como elucidado. “No caso da Babaluket, a gente pediu também para fazer a comparação com a mãe, para a certeza da identificação ficar maior”, acrescenta a perita.
“A gente busca mais informações porque não pode soltar o resultado sem ter certeza do que a gente está fazendo. Então, a gente busca outros dados, como alguma coisa que a pessoas tenha, caso ainda tenha ficado alguma parte do corpo visível, como próteses, tatuagem, ou a forma como a pessoa se vestiu no dia do desaparecimento”, informa.
Investimentos no Banco
A administradora do BPG-CE afirma que o Banco é mantido, em sua maioria, com recursos federais, como o software e os reagentes, fornecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
O Estado, basicamente, fornece os peritos, que realizam as coletas nas unidades prisionais. Em breve, segundo ela, recursos estaduais também devem ser aplicados na iniciativa. “A gente sempre espera que aumente, mas para aumentar a gente precisa ter mais dinheiro para reagentes, mais peritos. A gente já faz tudo na medida que consegue, temos que dar conta dos exames do Estado todo”, reconhece.