A venezuelana mantida em situação análoga à escravidão em Russas e Juazeiro do Norte, no Ceará, não tinha permissão para usar o banheiro da casa onde foi mantida em cárcere privado, segundo o Ministério Público Federal (MPF). O órgão denunciou três pessoas pelo caso à Justiça Federal, acusadas por tráfico de pessoas, cárcere privado e escravidão. Somadas, as penas podem chegar a 24 anos de prisão.
Segundo o MPF, as investigações apontam que a vítima foi explorada, inicialmente trabalhando por duas semanas em Russas, e depois sendo enviada para Juazeiro, onde foi submetida à humilhações por cerca de três meses. Além de ser mantida em cárcere privado, a vítima não tinha direito a todas as refeições do dia, e fazia as necessidades fisiológicas na chácara onde trabalhava.
LEIA MAIS
> Venezuelana mantida sob regime de escravidão em casa de professora escapa e consegue ajuda
> "Sempre eu rezava", diz venezuelana que foi mantida em cárcere no Cariri
Os denunciados pelo caso são Eugênia Michelly de Oliveira Queiroz, Cosma Severina da Silva e José de Arimateia Alecrim de Figueiredo. Segundo a denúncia, foi Eugênia quem intermediou a vinda da vítima ao Ceará, com a promessa de trabalho e remuneração. Em Juazeiro do Norte, a venezuelana trabalhou na chácara e na residência da denunciada Cosma, sem nunca ter recebido remuneração. Quem levava a mulher até o local era Arimateia.
Para o MPF, Eugênia é líder do grupo criminoso e principal responsável pelos crimes. Foram encontrados documentos relacionados a estrangeiros e Eugênia na casa de Cosma e José de Arimateia. Para o Ministério, são indícios de que não é a primeira vez que a denunciada pratica os crimes.
“Ao chegar ao Ceará, a vítima passou a trabalhar todos os dias da semana, sem direito a descanso, assinatura de carteira de trabalho e salário. Sua jornada laboral começava às 6 horas na residência de Cosma. Após, ainda sem se alimentar, era levada pelo codenunciado José de Arimatéia à chácara de Eugênia para limpar o jardim e aguar as plantas. Ao entrar no terreno da chácara, o portão era trancado para que não saísse. Passava todo o dia limpando o terreno. Não tinha acesso ao interior da casa da chácara, que permanecia trancada”, diz a denúncia do MPF.
Ainda de acordo com as investigações, a venezuelana não tinha direito ao café da manhã, e, para não ficar com fome, se alimentava de mangas que pegava na chácara. O almoço era entregue por Arimateia. Ao final do dia, a venezuelana era buscada na chácara e retornava para casa de Cosma, onde prosseguia com as atividades domésticas. No jantar, só era autorizada a comer depois de todos da casa, e não podia acessar a geladeira.
Na residência, ela era mantida trancada, sem acesso a telefone, internet ou qualquer outro meio de comunicação, inclusive contato externo. A vítima dormia de rede na casa de Cosma em uma biblioteca que servia de quarto, mas seus pertences eram guardados em sacolas e mochilas dispostos em um corredor da casa.
ONG
O MP confirma que a venezuelana emigrou para o Brasil de forma legal, pela cidade de Pacaraima (RR) em maio de 2018 e depois foi para Boa Vista, em busca de emprego. Lá, a mulher foi acolhida pela ONG Trabalhar para Recomeçar.
Em contato com a ONG, Eugênia informando que pretendia empregar duas venezuelanas em atividades domésticas. Ao concordar com a proposta, foi feito um Termo de Aceitação de Proposta entre a vítima e a denunciada, definindo que a venezuelana prestaria serviços domésticos na cidade de Russas, na casa de Eugênia, recebendo remuneração de R$ 954,00 mensais.
As investigações mostraram que, para ocultar os crimes, Eugênia passou a negar e prestar informações falsas à ONG Trabalhar para Recomeçar.