"Sempre eu rezava", diz venezuelana que foi mantida em cárcere no Cariri
Ministério Público informou que a jovem vai ser acolhida por uma família brasileira e fora do Ceará. O local será mantido em sigilo.
A venezuelana resgatada de trabalho análogo à escravidão falou pela primeira vez sobre o que passou durante três meses de cárcere na casa de uma professora em Juazeiro do Norte, que a forçava a fazer serviços na residência. "Sempre eu rezava, pedia a Deus pra iluminar meu caminho, que me ajudasse", conta a venezuelana. A estrangeira vai ser acolhida por uma família fora do Ceará.
A jovem de 19 anos veio ao Brasil de forma legal, junto com um primo, um cunhado e um irmão, com a situação difícil no país de origem. A mulher veio trabalhar na casa da professora por intermédio da Organização Humanitária Fraternidade Sem Fronteiras.
"A situação da venezuela está ficando cada dia mais grave. Lá, as coisas se agravavam todo o dia, o presidente escondia a comida", relata a venezuelana com um tom de tristeza.
A estrangeira também lembra dos momentos de tensão que viveu na casa da professora. "Eu trabalhava fazendo uma coisa e outra, e assim percebi que a senhora começava a tratar mal e insultar dizendo coisas, aí foi que fiquei mal e não fugi por que a senhora tinha meus documentos", acrescentou.
Na terça-feira (9), depois de uma consulta ao dentista, a venezuelana, que não teve o nome revelado, resolveu denunciar o caso ao Ministério Público de Juazeiro do Norte. A promotora de Justiça, Alessandra Magda Ribeiro Monteiro, disse que a jovem chegou ao órgão bastante assustada. "Chegando aqui, nós tomamos as declarações dela. Ela estava muito assustada, apreensiva, com medo, não sabendo mais em confiar", reforça a promotora.
Ela tinha um sonho de ajudar os familiares que continuam no País de origem. Mas, segundo a promotora, isso não estava sendo possível. "Ela relata uma situação de discriminação, onde ela não pôde ter acesso aos familiares. Ela não recebeu salário, que ela veio nessa perspectiva de trabalhar e ajudar seus familiares e esse salário foi negado.(...) ela era ameaçada de ser deportada", disse a promotora.
Segundo a instituição, a venezuelana deveria ter vindo a Russas com outra conterrânea, vindas de Boa Vista, em Roraima, para trabalhar como empregada doméstica, e não se sabe ainda como ela chegou em Juazeiro e trabalhou sem receber remuneração.
"A organização, que atua em causas humanitárias desde 2010, em 2017 iniciou o projeto 'Brasil, um coração que acolhe', que possui uma plataforma com informações e currículos de imigrantes venezuelanos, visando a possibilidade de acolhimentos no país. No absurdo caso ocorrido no Ceará, infelizmente, a pessoa acolhida sofreu graves violações aos seus direitos", afirma.
O Ministério Público informou que a jovem vai ser acolhida por uma família aqui do Brasil, e fora do Ceará. O local será mantido em sigilo. Enquanto isso, a estrangeira continua em um abrigo e diz que está tentando se recuperar dos momentos de aflição que passou na casa onde trabalhava. "Estou um pouco nervosa, porque tô superando tudo, melhorando e me sinto tranquila, por que estou em boas mãos e me sinto feliz", acrescenta.
A professora participou de uma audiência de custódia nessa quinta-feira (11), na Justiça Federal em Juazeiro do Norte e depois voltou para a Cadeia Pública do Município. O Ministério Público Federal está acompanhando o caso. Ela pode pegar uma pena de quatro a 16 anos de prisão.