Várzea Alegre. A Semana Santa é período de orações, jejum, penitência, de manifestações de religiosidade cultural e popular. Neste município, mais de 200 penitentes participaram da VIII Procissão do Fogaréu, reunindo 12 grupos oriundos das regiões Centro-Sul e Cariri. Milhares de moradores acompanharam nesse período o ritual de autoflagelação, de rezas e benditos pelas igrejas locais.
Neste ano, o evento cultural e religioso foi ampliado com a vinda de grupos das cidades de Cedro, Lavras da Mangabeira, Barbalha, além dos participantes locais. "É a renovação de uma manifestação de religiosidade popular", frisou o secretário de Cultura do município, Milton Bezerra.
A procissão partiu da Capela de São Vicente de Paulo. Nas ruas da cidade, o povo acompanhou os grupos que levavam tochas acesas e cantavam benditos. O encerramento da caminhada foi na Capela de São Francisco das Chagas, no bairro Betânia, onde alguns integrantes de grupos de penitentes procederam a autoflagelação, um dos rituais mais antigos desse segmento religioso.
Para o prefeito Vanderlei Freire, a integração dos grupos de penitentes da região representa a manutenção de uma das culturas populares mais antigas. "Foi uma troca de experiência excepcional", frisou. "O município foi pioneiro em reunir e incentivar a participação desses grupos, com o objetivo de valorizar a cultura dos penitentes na região".
Abnegação
O evento é uma realização da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, e neste ano contou com a participação do secretário de Cultura e Turismo de Lavras da Mangabeira, Antônio de Luna, da coordenadora de cultura popular, Maria Goreti de Amorim, e da secretária de Cultura, de Cedro, Cristina Couto.
Os penitentes são homens simples e abnegados, profundamente identificados com as crendices, superstições e dogmas. No dia a dia são agricultores. O movimento remonta a Idade Média. Desde o século XVII que existe a ordem dos Penitentes no Nordeste do Brasil.
Na região do Cariri cearense data de 1850 o surgimento dos primeiros penitentes. Posteriormente chegou à Várzea Alegre, sendo considerada uma cultura secular.
De Barbalha, vieram quatro grupos: Irmandade do mestre José Galego e Santas Missões, do mestre Olímpio, do sítio Lagoa; Incelências de mestra Terezinha e Irmãos da Cruz, do mestre Antônio, do sítio Cabeceiras.
Do município de Lavras da Mangabeira, vieram três grupos: mestre Vicente Vieira, do sítio Oitis; mestre Hamilton Leite, da Vila Quitaiús e mestre Luiz Geraldo, da Vila Mangabeira. De Cedro, veio o grupo Nossa Senhora de Assunção, do mestre Manuel, da Vila Assunção.
Abertura
Da cidade de Várzea Alegre compareceram os grupos do mestre Tico de Manuel Vicente, da Vila Riacho Verde; do mestre Francisco Adriano, do sítio Jatobá; do mestre Vicente Barbosa, do bairro Riachinho; e do mestre Antônio de Souza, do sítio Roçado de Dentro.
A procissão do fogaréu abre os ritos da Semana Santa. Vestidos a caráter, os penitentes conduzem a cruz, tochas de fogo, chicotes e entoam benditos. Na capela da Betânia, realizam o ritual da autoflagelação (batem com chicotes com pontas de ferro nas próprias costas) e em seguida rezaram um terço.
Neste município, a tradição chegou a partir do distrito de Canindezinho. "O nosso apoio tem por objetivo assegurar a manutenção desses grupos, valorizar a cultura popular e contribuir para que esses ritos continuem passando de geração para geração", explicou o secretário de Cultura do município, Milton Bezerra.
Os penitentes são homens idosos e jovens vestidos com capuzes e batas vermelhas e pretas. Mulheres também participam. O agricultor aposentado, Antonio Vieira, está à frente desses fiéis há mais de 50 anos.
"É uma tradição que recebi do meu pai", conta Vieira. O encontro dos grupos também tem por objetivo a confraternização entre os integrantes.
No grupo de Cabeceiras, de Barbalha, mulheres e jovens estão entre os penitentes. Durante a Semana Santa, é comum em algumas comunidades rurais do Interior a saída dos adeptos com trajes típicos à noite para pedir o desjejum da Sexta-Feira da Semana Santa.
"Comecei ainda menino, por influência do meu pai e não faço nada por uma questão de beleza, mas por devoção", contou o penitente Francisco de Souza. "Creio que o sacrifício do meu corpo pode assegurar um lugar no céu", ressaltou. Para a gestão, a particularidades dos ritos e a expressão da fé fazem com que a região atraia turistas e estudiosos durante este período.
Caretas reúnem tradição folclórica e cultura religiosa católica em Iguatu
Iguatu. As ruas desta cidade e vilas rurais estão coloridas e animadas com a presença de quase uma dezena de grupos de caretas, oriundos de sítios e de bairros da periferia. É a tradição folclórica que é mantida nos dias santos. Vestidos a caráter, rostos encobertos com capuz, máscaras, saiotes de tecidos com cores variadas, chocalhos, música e muito barulho, os brincantes saem busca de esmolas nas residências e lojas comerciais.
O objetivo dos caretas é coletar gêneros alimentícios, bebida e dinheiro para formar a tradicional brincadeira de malhação do Judas, na noite do próximo sábado de Aleluia, para a madrugada de Domingo de Páscoa, quando os católicos celebram a Ressurreição de Jesus Cristo.
Nas áreas rurais eles formam o chamado sítio, um espaço demarcado, onde as coletas são guardadas no sábado à noite. Há o desafio de se tentar retirar qualquer produto desse espaço.
Os guardas perseguem os desafiadores até um determinado ponto, tentando chicotear os que participam da brincadeira do furto de alimentos.
Neste ano, os grupos formados por moradores da localidade de Tipis, no limite dos municípios de Iguatu e Acopiara, se destacam por estar bem vestido, com chocalhos, e acompanhado por músicos, sanfoneiro e zabumbeiro.
Os caretas trazem animação para as ruas da cidade e medo para as crianças. Os brincantes contratam costureiras e também têm o apoio das mães para a confecção das vestimentas, que são camisas e calças feitas a partir da montagem de peças coloridas de retalhos.
No dia a dia, quando não estão brincando, os caretas são estudantes e jovens agricultores, que ajudam os pais na lavoura. Nessa época do ano, formam os grupos que percorrem as ruas da cidade em busca de donativos. Alguns viajam até 35 km, como é o caso dos caretas dos Tipis.
Comemorações
Os caretas mantêm viva a tradição das comemorações profanas e festivas, relacionada com a malhação do Judas, no fim da Semana Santa. No sábado passado, conhecido popularmente por sábado magro, que antecede o de Aleluia, os brincantes trouxeram muito barulho para as ruas desta cidade. Dançavam em ritmo animado, com jinga própria e percussão do forró sertanejo. Conseguiram chamar a atenção dos moradores.
Os caretas como o próprio nome sugere são mascarados e não se identificam. Em grupo, eles cercam os transeuntes e impõem a doação de dinheiro ou de algum alimento. Batem nas portas das casas e para as crianças são motivo de medo e corre-corre. Há grupos mais carentes, oriundos da periferia da cidade, que saem apenas com o objetivo de pedir esmolas para o desjejum, no sábado de Aleluia. Não fazem, portanto, a brincadeira do sítio, o cercado de proteção dos alimentos.
Quando os grupos não têm condições de manter um trio de tocadores (sanfona, zabumba e triângulo ), utilizam alternativas de recursos modernos, como o uso de um gravador portátil. Com muito barulho e urros, eles saem dançando pelas ruas da cidade, ao ritmo do tradicional forró. Preservando ou não a característica regional, os brincantes contribuem para que a tradição folclórica permaneça viva.
O pesquisador cultural, Afonso Linhares, visitou neste ano grupos de caretas em Iguatu, Cariús, Jucás, Cedro, Acopiara e Várzea Alegre. Destacou a manutenção de aspectos da cultura popular. "Há dezenas de grupos que desde a semana passada e até a Sexta-Feira Santa percorrem distritos, vilas rurais e ruas da cidade em busca da coleta de gêneros alimentícios e bebidas", observou.
"É uma forma de preservação da cultura popular", salientou. Na noite de Sábado de Aleluia, nas localidades rurais há muita festa e brincadeiras com a malhação do Judas.
Até a Sexta-Feira Santa, grupos de caretas saem em busca de donativos para as brincadeiras do Sábado de Aleluia. De acordo com o secretário de Cultura do município de Várzea Alegre, Milton Bezerra, nos últimos anos houve um aumento de participação desses grupos nas áreas rurais. "Cada sítio e distrito formam o seu grupo, que percorrem as vilas", disse. "São jovens que renovam a tradição e mesmo com a modernidade permanecem ativos".
FIQUE POR DENTRO
Fé, sacrifício e temor a Deus são práticas do fiel
Os penitentes são homens simples e abnegados que mantêm a tradição. Identificam-se com crendices populares e dogmas religiosos. O ritual é próprio e os benditos são cantados em voz alta, misturando agudos e graves, que ecoam nas estradas e casas do sertão nordestino durante a noite. Usam sobre a roupa uma capa (opa) com cruzes e cores variadas. Fazem autoflagelação do corpo, costas, mãos e braços. É um mergulho fundo na alma, uma forma de espiar os pecados e rogar por almas alheias. A disciplina, ou seja, o sacrifício é realizado com um instrumento de cordas ou couro cru e pontas de ferro e, também, lâminas cortantes. O surgimento dos primeiros penitentes na região do Cariri data do ano de 1850, mas a primeira ordem só foi fundada em 1893, em Juazeiro do Norte, pelo mulato Manoel Palmeira. Espalharam-se pela região e chegaram até Várzea Alegre. No passado, tiveram apoio de líderes religiosos. Hoje, o ritual resume-se a cantar em portas de amigos, nos cruzeiros nas estradas e pedir esmolas para o desjejum na Sexta-Feira Santa.
Honório Barbosa
Repórter