Em março de 2020, quando o Ceará registrava os primeiros casos da Covid-19, alguns municípios do interior do Estado criaram unidades que permitiam que a população em situação de rua cumprisse o isolamento social. Com o passar do tempo, estes locais de acolhimento sofreram queda de demanda e viu-se uma resistência por parte desse público, segundo os responsáveis. Em Sobral e Crato, por exemplo, foram fechados.
O infectologista Keny Colares reforça que a população em situação de rua está mais exposta aos agentes infecciosos, inclusive o coronavírus. “De forma geral, a vulnerabilidade social tem sido um fator para desfechos piores da doença, como o óbito. A distribuição de desfechos negativos da doença não é igual entre quem tem mais condições econômicas e quem não tem. Imagino que a população de rua siga essa lógica geral”, observa.
Em Crato, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do município (SMTDS) criou, no fim de março do ano passado, a unidade de isolamento social para pessoas em situação de rua na sede da Pastoral do Menor. Ao todo, foram disponibilizadas 22 vagas. Além da acomodação durante a noite, ofereceu três refeições diárias e kits de higiene pessoal. No entanto, a iniciativa só durou dois meses.
De acordo com a titular da secretaria, Ticiana Cândido, foi feita uma avaliação com os próprios usuários, que não queriam mais continuar na unidade.
Eles não quiseram ficar no abrigamento. Já tinha uma estrutura, mas houve resistência (em permanecer no local). Queriam apenas dormir, mas não permanecer em isolamento social todo o período, porque alguns trabalham, fazem bico"
Apoio alternativo em Crato
Como alternativa, este público ainda dispõe do apoio do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP). “A gente está ofertando alimentação, espaço para higiene pessoal e encaminhamento para outras políticas públicas. No sábado e domingo oferece oficinas”, detalha a secretária.
O equipamento dispõe ainda de lavagem de roupas, oficinas, palestras, atendimento social, psicológico, educacional e jurídico, além de viabilizar contatos telefônicos.
A partir da pandemia, também foram disponibilizadas máscaras descartáveis. Diariamente, três itens são entregues para cada um que visita o Centro Pop. Já as pessoas em situação de rua que apresentam sintomas gripais são encaminhadas pelo equipamento para a Unidade Sentinela, onde são testados. Hoje, o Crato tem 45 cadastrados, mas a média diária é de 20 a 25 usuários.
Abrigo e apoio psicológico em Sobral
Em Sobral, na região Norte, uma unidade de acolhimento provisório também foi criada em uma escola do município. O espaço chegou a receber entre 20 a 25 pessoas, oferecendo também alimentação, máscara, álcool em gel, kits de higiene pessoal, acompanhamento psicológico, entre outras ações. Antes de ingressar, todos eram testados. O contato foi feito em trabalho de abordagem social nas ruas.
Além da unidade de acolhimento, o município conseguiu ingressar algumas pessoas em situação de rua em unidades terapêuticas ou permitiu o retorno para suas famílias. “Como forma de incentivo, oferecemos cesta básica e o retorno para casa. Boa parte ainda mantém o vínculo com suas famílias”, explica Savio Baia, coordenador da Assistência Social da Secretaria dos Direitos Humanos, Habitação e Assistência Social de Sobral.
Porém, a unidade provisória também foi fechada, na última semana. “Fizemos uma avaliação e alguns estavam querendo voltar para suas famílias. Ficaram apenas duas pessoas”, justifica Baia.
Como alternativa, Sobral ainda conta com um equipamento de acolhimento permanente de pessoas em situação de rua além dos próprios serviços do Centro Pop. Cada um poderá ficar por até seis meses e, dependendo da avaliação, o período ser estendido. “A gente tenta, na verdade, que eles retornem para suas famílias, retomar o vínculo”, pontua o coordenador. Lá, hoje, mantém-se 15 pessoas, mas a capacidade é de até 25 pessoas.
Perspectiva de ampliação em Juazeiro do Norte
Já em Juazeiro do Norte, o cenário é diferente. Em março de 2020 também foi criada a unidade de isolamento social para pessoas em situação de rua no Centro Administrativo do Cariri, ao lado do Vapt Vupt. O alojamento pode receber até 30 pessoas, ofertando três alimentações diárias, além de distribuição de kits de higiene pessoal durante o período. No último mês de dezembro, os usuários foram realocados na Pousada Social.
O acolhimento permanece até hoje, mantendo 20 pessoas isoladas, mas a perspectiva é ampliar. “Sexta passada visitamos outros lugares, para iniciar um processo de mudança, num local com mais condições. Ainda continuamos buscando”, antecipa a diretora da Proteção Social Especial da Secretaria de Desenvolvimento Social e Trabalho de Juazeiro do Norte (Sedest), Jácsa Vieira.
Mais de 20 funcionários, entre cuidadores, educadores, auxiliar de cozinha, de limpeza, entre outros, trabalham na Pousada Social e são testados regularmente. “Ainda disponibilizamos máscara, álcool em gel”, completa a diretora.
"Seguro do vírus”
Paralelo a isso, o Centro Pop de Juazeiro do Norte atende regularmente cerca 45 pessoas em situação de rua. Um dos beneficiados com seus serviços é Francicarlos da Silva, de 54 anos. Nascido em Recife, ele cresceu em Araripina, no sertão pernambucano, onde ficou até a adolescência. Ainda morou por sete anos em Caruaru e, desde os 20 anos, passou e viver de cidade em cidade. Há três, desembarcou na terra do Padre Cícero e passou a morar nas ruas. “Aqui (no Centro Pop) ainda recebo toda assistência e me sinto mais seguro do vírus”, garante.
No Ceará, existem apenas oito Centros POP: Fortaleza (com duas unidades), Caucaia, Juazeiro do Norte, Sobral, Crato, Pacatuba e Pacajus. Em Maracanaú, uma unidade foi fechada em abril de 2019. Ou seja, são apenas três unidades estão fora da Região Metropolitana da Capital. Todos são administrados pelas prefeituras. No Interior, dois municípios com população acima de 100 mil habitantes, Itapipoca e Iguatu não possuem esta unidade.