Pescadores cobram exames no embarque e condições sanitárias para voltar ao mar

Segundo entidades e pescadores ouvidos pela reportagem, há registro de casos de profissionais que tiveram de voltar do mar porque apresentaram sintomas da Covid-19.

Há um mês, cerca de cinco mil pescadores artesanais e empregados de empresas de pesca estão na costa cearense, no interior do Estado, em seus barcos, no trabalho diário de captura da lagosta. No último mês, o risco de contaminação pelo novo coronavírus aumentou entre os trabalhadores por conta da interiorização da doença. Desde o início da pandemia, os pescadores artesanais cobram das secretarias municipais de Saúde a realização de testes rápidos e medição de temperatura para identificar quem possa estar com a doença. 

Segundo representantes da categoria, as medidas de combate se resumem a orientações gerais sobre prevenção, sintomas da Covid-19 e recomendação para procurar um serviço médico caso haja sinal de manifestação da doença. Para o presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Ceará, Raimundo Félix, ainda assim, disse que as orientações só chegaram após as embarcações saírem ao mar, na primeira semana de junho. Já há registro de casos de profissionais que apresentaram sintomas da Covid-19

“As recomendações vieram na última hora”, pontuou. “Todos precisam trabalhar e estão arriscando, mas já se observaram alguns casos suspeitos da doença e a embarcação teve que retornar”.  

Félix observa que é preciso separar a realidade do pescador artesanal daqueles que trabalham em embarcações. “As empresas têm condições de fornecer equipamentos de proteção individual, mas um barco tem espaço muito reduzido, de quatro metros quadrados no convés. Todos ficam muito juntos”, frisou. “Já os pescadores artesanais realizam um trabalho de ida e volta diária”, aponta. Na pesca da lagosta, os barcos passam de 10 a 15 dias no mar com tripulação de até seis homens.

Pelo menos uma morte por Covid-19 já foi registrada no último mês, em Acaraú. O pescador faleceu ainda no barco, quando tentava retornar à praia.

O assessor técnico do Sindicato das Indústrias de Frios e Pescado (Sindifrios) do Ceará, Carlos Eduardo Vilaça (Cadu), também ressalta preocupação com a interiorização da pandemia e maior risco aos pescadores, localizados principalmente no interior do Estado. “Isso preocupa porque os tripulantes ficam confinados por quinze dias ou mais, sem proteção”. O representanta também confirma registros de pescadores doentes.

Risco ao Mar

Para o pescador artesanal, Adjailson de Moura, de Icapuí, a categoria está entregue à própria sorte. “Estamos nas mãos de Deus”, afirmou. “Quando o pescador fica amorrinhado (dor no corpo, fraqueza), a gente vem deixar na terra, e isso já aconteceu várias vezes em todo o Ceará neste último mês”. As colônias não sabem precisar a quantidade de pescadores que, ao longo de junho, apresentaram sintomas da doença e tiveram que retornar em busca de atendimento médico.

“O que se comenta entre os pescadores é que há vários casos”, pontuou Félix. “Mas não temos um dado totalizado”.

Outro pescador, Cleomar dos Santos, lembra que uma embarcação precisa, em média, de oito horas para chegar à praia, tempo que pode dificultar o atendimento médico. “Já tivemos alguns casos, que o pescador ficou com o sintoma dessa doença e teve que voltar, mas não sei precisar quantos porque o litoral é muito extenso”, frisou. “Todos os trabalhadores são afetados com essa pandemia, mas os pescadores estão desamparados”.

O presidente da Colônia de Pescadores Z-17 da praia de Redonda, em Icapuí, Adailton de Lima, acrescenta que o risco do pescador contrair a doença em terra e levar ao mar vem aumentando a cada dia com a expansão dos casos confirmados nas praias. “Não tivemos até agora nenhum caso mais sério. Só sintomas leves”, disse. O ponto é agravado pela movimentação das embarcações entre os pontos de abastecimento, que se estende ao longo do litoral.

 

“Um barco sai de Icapuí (na ponta leste) e às vezes para em Acaraú (lado oeste) para reabastecer. Essa movimentação é intensa e aumenta o risco de contágio porque tem cidades com muitos casos. “Essa mobilidade dificulta o acompanhamento dos pescadores”, observa o secretário de Saúde de Icapuí, Reginaldo Alves.

Alves observa que não é viável a realização de testes rápidos generalizada entre a categoria. “São mais de 1500 pescadores só em Icapuí, e não há sentido de aplicar o exame em assintomáticos. Isso só daria uma falsa ideia de proteção”

Baixa

De forma geral, os pescadores reclamam da baixa no preço do produto. O quilo da lagosta inteira é vendido por R$ 45, e da calda por R$ 80. No mesmo período do ano passado, o preço do quilo do pescado era comercializado por R$ 60 e R$ 130, respectivamente. “Os restaurantes fechados, os cruzeiros cancelados e a exportação ainda sem estar ativada contribuem para a redução do preço”, justifica Vilaça.

Outra queixa é com relação à queda na produção. “O mar está fraco, a captura caiu 50%, pelo menos”, reclamou Cleomar dos Santos. “A gente não sabe o que tá acontecendo, mas acha que é a pesca ilegal, com mergulho, e uso de marambaia (tanque de aprisionamento do marisco) que é feita sem respeitar o defeso”.