Quando se ouve a palavra 'floresta' é comum vir à mente a imagem3 de um emaranhado de árvores de ampla densidade, tal qual a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. Mas, se engana quem pensa que o termo se limita a isso.
O Ceará conta com onze categorias de coberturas vegetais, a maioria delas que podem ser consideradas florestas. Porém, será que toda essa diversidade é devidamente preservada? Há políticas públicas que as protejam e contribuam com sua manutenção?
Neste dia 17 de julho, data em que é celebrado o Dia da Proteção às Florestas, o Diário do Nordeste ouviu especialistas ambientais que externam os impactos causados pela degradação do ecossistema e os benefícios intangíveis com sua preservação, além de tecerem opiniões sobre políticas públicas, fiscalização e educação ambiental.
Ao longo do ano de 2019, 845 hectares foram desmatados no Ceará. É uma média de quatro campos de futebol (4 ha) de vegetação nativa por dia. Segundo o MapBiomas, 818 ha foram de processos irregulares, sem autorização ambiental, o que representa 96,7% do total de hectares. No ano passado, segundo o Relatório Anual de Desmatamento, este número saltou para 8.965 hectares, crescimento superior a 10 vezes.
Cobertura vegetal no Ceará:
- Complexo Vegetacional da Zona Litorânea;
- Floresta Subperenifólia Tropical Plúvio-Nebular (Matas úmidas);
- Floresta Subcaducifólia Tropical Pluvial (Matas secas);
- Floresta Caducifólia Espinhosa (Caatinga arbórea);
- Caatinga Arbustiva Densa;
- Caatinga Arbustiva Aberta;
- Carrasco;
- Floresta Perenifólia Paludosa Marítima;
- Floresta Mista Dicótilo-Palmácea (Mata ciliar com carnaúba e dicotiledôneas);
- Floresta Subcaducifólia Tropical Xeromorfa (Cerradão);
- Cerrado.
A bióloga e membro do Instituto Verdeluz, Liana Queiroz, reconhece que algumas áreas do Estado, como litorais e regiões de matas úmidas, possuem Unidades de Conservação (UC), mas avalia que o número ainda é limitado, sobretudo para cobrir outras áreas, como a da caatinga. "Nessas localidades o bioma está completamente desprovido de proteção", pontua.
Segundo o zootecnista e analista na Embrapa, Rafael Tonucci, a caatinga, que no tupi-guarani significa "floresta branca", cobre cerca de 80% do território cearense. Além da significativa extensão territorial, Liana adverte que o bioma é rico e precisa ser melhor reconhecido.
"Há um mito de que a caatinga é uma região muito pobre, o que é um erro. A caatinga tem alto índice de endemismo e é preciso reconhecer sua importância", acrescenta a bióloga.
Rafael compartilha do mesmo pensamento e acrescenta que a "caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro e, portanto, precisa ter sua imagem melhor trabalhada".
Ela [caatinga] tem sim suas dificuldades, mas é altamente resiliente. Carece de maior valorização.
Estratégias para proteção
Com estratégia para proteger essas localidades, Queiroz aponta a criação de novas UCs, como foi feito no mês passado em Crateús, com a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti, que tem mais de 63 mil hectares e abrange os municípios de Crateús, Ipaporanga e Poranga. "Essa APA vai ser importante para preservar o bioma local onde há prevalência da caatinga", avalia Liana.
Para além de aumentar a quantidade de UCs em áreas do Interior do Estado, a especialista ressalta ser preciso investir em Unidades de Proteção Integral que tem por objetivo a preservação da natureza permitindo apenas o uso indireto dos recursos naturais.
Elas diferem das Unidades de Uso Sustentável, cujo objetivo é a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. "Hoje a maioria das UCs do Estado são de uso sustentável", destaca Liana.
Outra questão observada pela integrante do Verdeluz é a necessidade de avançar ou impulsionar a fiscalização, cujo efetivo, em sua avaliação, é baixo. "Mais de 1.000 hectares que foram desmatados estão em áreas de preservação, o que mostra a deficiência na fiscalização", completa.
Já Tonucci considera que o Ceará tem boas políticas públicas, ao destacar a iminente implantação do Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, o chamado Plano ABC+. "É uma política federal e que deverá ser implantada no Ceará, observando as especificidades da nossa região. Será uma estratégia muito inteligente".
O ABC+ tem por missão avançar nas soluções tecnológicas sustentáveis com foco na produção no campo e a melhoria da renda do produtor rural. O Plano visa, além de alcançar a sustentabilidade, promover a resiliência e aumento da produtividade com baixa emissão de gases de efeito estufa.
Melhor do que ter mais políticas, é ter boas políticas. Políticas articuladas e bem executáveis. Temos uma boa quantidade de políticas públicas, o que precisamos é fortalecer, solidificar e comunicar bem, deixar claro quem pode usar, como usar e quando usar. Quando isso acontecer, a preservação do bioma será melhor, reduziremos a degradação.
O zootecnista e agente de inovações sociais nos Sistemas Agroflorestais na Caatinga, Eden Fernandes, discorda da avaliação de Rafael ao considerar que "as diferentes políticas públicas, de forma geral, tem diminuído". Em sua análise, ele considera que atualmente há uma carência "de articulação da sociedade com o Estado para que as políticas sejam reativadas".
Reflorestamento
Reduzir o desmatamento e degradação não são os únicos pontos a serem atacados. Liana acrescenta que, para além disso, "é urgente a necessidade de recuperar o ecossistema" e avalia que o "Brasil está muito atrasado nesse quesito".
Ela lembra que os últimos relatórios emitidos Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são "alarmantes" no que diz respeito a perda florestal ocasionada pelo desmatamento e pede "políticas [públicas] sérias para frear esse avanço".
No que diz respeito as áreas degradadas em território cearenses (quase 9 mil hectares), cujos índices foram apresentados ontem (16) no Webinar Nordeste, a Diretoria de Fiscalização (Difis) da Semace disse que a "fiscalização ambiental da Semace tem envidado esforços para conter a degradação ocasionada pelos desmatamentos, investindo principalmente no uso de geotecnologias para detecção de desmatamento".
A Semace ressaltou ainda que tem "cobrado de forma mais severa a reposição florestal obrigatória, nos casos de desmatamentos autorizados, e a recuperação das áreas degradadas no geral, por meio da execução de Planos de Recuperação de Áreas Degradadas".
Impactos e prejuízos
Caso essas áreas de vegetação não sejam preservadas, os especialistas elencam uma série de danos que poderão ser identificados a curto, médio e longo prazo. O primeiro impacto será a mudança de paisagem, diz Liana Queiroz. "Há uma mudança drástica na paisagem e que afeta também os animais. Eles perdem a área onde vivem e buscam refúgio".
A bióloga cita ainda o enfraquecimento da segurança hídrica, uma vez que as matas ciliares, importantes para a proteção de rios e lagos, são degradadas. "Outro ponto é o solo. O melhor lugar para armazenar água é o solo. Então quando degradamos esse ambiente, teremos esse impacto", acrescenta Liana. Ela também aponta as mudanças de microclima e florestas defaunadas como impactos a médio prazo.
A longo prazo, a integrante do Verdeluz alerta para o desaparecimento de espécies do planeta. "Como a caatinga é exclusiva nossa e temos muitas espécies endêmicas, agredir e degradar esse bioma pode fazer com que espécies desapareçam afetando a biodiversidade do planeta".
Nós somos a última geração que podemos fazer alguma coisa para frear os efeitos drásticos das emergências climáticas.
Fiscalização
O diretor florestal (Diflo) da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Adirson Freitas, destaca como medida realizada pelo órgão para manutenção e preservação desse bioma a exigência de licenciamento ambiental onde há a necessidade de supressão da vegetal; reposição florestal a implantação de Planos de Manejo Florestais Sustentáveis.
"No licenciamento ambiental de empreendimento onde há a necessidade de supressão da vegetal, a Semace tem observado o estágio de regeneração/conservação da vegetação, priorizando áreas abandonadas, áreas que estão em processo de regeneração inicial com a predominância de espécies pioneiras ou áreas em pousio".
Essa medida, segundo Freitas, "visa evitar o desmatamento de áreas com vegetação em estágio de regeneração considerável com a predominância de espécies arbóreas segundaria e presença de espécies clímax".
O diretor ressaltou ainda que o detentor das autorizações para uso alternativo do solo e autorização de supressão de vegetação (obras de utilidade pública e interesse social) "são obrigados a cumprir a reposição florestal, através do plantio em campo correspondente ao volume lenhoso suprimido".
Importância da convivência harmônica
Tonucci avalia que políticas públicas não conseguem atingir êxito sem que ocorra uma comunhão com o homem, o principal agente da equação preservação x degradação. "A exploração do semiárido, por ser o mais populoso do mundo, sempre irá existir. Isso é natural. O que devemos alterar é a forma de exploração, deixá-lo harmônico e utilizar a vegetação de forma racional".
Para que isso aconteça, algumas mudanças culturais - e seculares - precisam ser rompidas, como a prática de atear fogo em determinada vegetação para depois plantar, técnica conhecida como "brocagem".
"Está provado que não há nenhuma efetividade", adverte Rafael. Segundo ele, há outras técnicas altamente produtivas que não utilizam o fogo, como os sistemas agroflorestais, o sistema plantio direto e a Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
"Nós da Embrapa ministramos cursos e disponibilizamos essas técnicas que, além de serem efetivas, contribuem para convivência harmônica com o bioma".
Levantamento da Semace, apresentado no Inventário Florestal, detectou que em 2015, oito, em cada dez florestas, apresentam algum tipo de exploração humana. Questionado se esse índice sofreu atualização desde o último levamente do Invetário, Adirson Freitas, disse ser preciso "uma análise mais detalhada".
"A presença humana seja de forma racional ou predatória nas florestas tem sido observado cada vez mais, porém, precisar o percentual atual desse índice exige uma análise mais detalhada, levando em consideração as diversas variáveis como quantidade de autorizações emitidas para uso alternativo do solo, supressão vegetal e manejo florestal".
Para o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros de Iguatu, Nijair Araújo Pinto, uma interferência do homem que está em alta, além de ser bastante nociva, é o fogo ateado em vegetaçao. Ele destaca que cerca de 90% das queimadas em vegetação tem ação antrópica. Somente em junho deste ano, o Inpe registrou 25 focos de calor no Ceará, mais que o dobro do verificado em junho de 2020 (12).
Em todos os meses desse ano, o número de incêndios ultrapassou o quantitativo do ano anterior. Para os especialistas, o elevado número de queimadas contribui sobremaneira para degradação da fauna e do solo.:
- Janeiro: 94 em 2020 e 187 em 2021
- Fevereiro: 8 em 2020 e 64 em 2021
- Março: 2 em 2020 e 13 em 2021
- Abril: 0 em 2020 e 6em 2021
- Maio: 3 em 2020 e 13 em 2021
- Junho: 12 em 2020 e 25 em 2021
O zootecnista Eden Fernandes, destaca ser preciso um trabalho muito forte de conscientização da população rural e urbana quanto à preservação do bioma.
Ele lembra ainda que o processo de queima, ou de brocada, ao passar dos anos aniquila os nutrientes do solo e reduz a água que está retida no solo. Esse processo converge para improdutividade daquele local.
Benefícios da preservação
Nesta data em que é celebrado o Dia da Proteção às Florestas, Liana Queiroz, integrante do Verdeluz, faz um apelo à promoção de políticas mais efetivas e reforça a importãncia da evolução educacional daqueles que ainda degragam o meio ambiente.
O bem-estar do ser humano na terra, da forma como conhecemos, só é possível com a proteção dos nossos ecossistemas. E dentro disso as florestas assumem grande importância por abrigar uma grande biodiversiade e serem grandes areas de refugio para a vida na terra.