Gestão integrada delibera utilização da água no Ceará

Criados para efetivar a Política Nacional de Recursos Hídricos, os comitês de bacias são fundamentais para incluir a participação da sociedade civil e dos usuários na gestão hídrica do Estado

Escrito por
Antonio Rodrigues/Honório Barbosa regiao@svm.Com.Br

A Política Nacional de Recursos Hídricos, criada a partir da Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, define a água como um recurso limitado e de domínio público. Diante de imensurável valor, sua gestão deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. É exatamente diante da necessidade dessa união que entra um importante mecanismo: os comitês de bacia hidrográfica (CBH). No Ceará, são 12 comitês, enquanto no Brasil, há 10 interestaduais.

A ideia é que este espaço reúna representes da comunidade de uma bacia hidrográfica - território delimitado por divisores de água cujos cursos d'água, em geral, convergem para uma única foz - para discutirem e deliberarem a respeito da gestão dos recursos hídricos, compartilhando responsabilidades com o poder público. "O objetivo é dar transparência, ser uma instância de controle social da Política Nacional de Recursos Hídricos", explica Volney Zanardi, coordenador de Instâncias Colegiadas do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional das Águas (ANA).

A implementação de um comitê busca trazer a representação do poder público, de usuários (que precisam da água para uso econômico ou para seu lazer, desde a pesca ao turismo) e da sociedade civil organizada, como as organizações não-governamentais e comunidades científicas. Neste processo, está sendo implementado o primeiro comitê interestadual com participação do Ceará: o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba (CBH Parnaíba), instituído por meio do Decreto nº 9.335, de 5 de abril de 2018. Apesar de ter apenas 5% do território cearense incluídos na Bacia, que também corta 20% do Maranhão e 75% do Piauí, nosso Estado contribui com o Rio Poti, um dos principais afluentes do Parnaíba.

Ao todo, a Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba possui uma área de 333.952 km², onde vivem cerca de cinco milhões de habitantes. São 277 municípios, sendo 19 cearenses. Seu Comitê será composto por 50 assentos: 15 do poder público, 20 de usuários, e 15 da sociedade civil. Ao todo, serão dois representantes da União, 14 do Maranhão, 26 do Piauí e oito do Ceará.

A data 22 de março foi instituída, pela ONU, para celebração mundial da água. Este recurso é gerido, no Brasil, pelo Poder Público, usuários e comunidades, através dos comitês de bacia. No Ceará, são 12 e, além disso, está sendo implementado o primeiro comitê interestadual com participação do CE

Zanardi explica que a finalidade do Comitê é facilitar o processo de gestão das políticas públicas e aprovar o plano da Bacia. A partir da cobrança do uso da água, como a arrecadação por outorgas, são implementadas diversas ações. Por exemplo, o CBH do São Francisco arrecada cerca de R$ 30 milhões por ano. A partir da discussão, são implementadas ações como a recuperação de áreas degradadas, instalação de estação de tratamento de água ou até mesmo a efetivação de um plano de saneamento básico municipal. "O dinheiro é cobrado pelo Comitê e ele decide o plano de bacia e, dentro dele, as ações que serão feitas. Não é um processo homogêneo, cada lugar tem suas prioridades", descreve o especialista.

Atualmente, o CBH Parnaíba está com diretoria provisória e em processo de mobilização dos atores que estarão nos assentos. Mais de 400 entidades estão inscritas.

Avanço

O primeiro Comitê no Ceará foi criado em 1997, na Bacia do Curu. Os dois mais recentes foram instituídos em 2012, na bacia dos Sertões de Crateús e na Serra da Ibiapaba. A instituição dos Comitês de Bacias ocorreu após a implantação da lei de Recursos Hídricos em 1992. Em 1994, houve a primeira reunião de Comitê da Bacia do Jaguaribe que inclui as regiões do alto, médio e baixo Jaguaribe, Banabuiú e Salgado. As reuniões de locação negociada de distribuição de água começaram no Ceará em 1994 e sempre foram marcadas por fortes tensões.

"As tensões sempre existiram porque há uma demanda maior por água, mediante uma oferta reduzida", pontuou Clara Sales, gerente de Recursos Hídricos da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). "Quem está a montante (acima do açude) quer que a água permaneça e quem está a jusante (abaixo) quer que a água seja liberada para atender ao uso agropecuário". Depois de mais de 20 anos de discussões sobre a gestão dos recursos hídricos, na avaliação de Clara Sales, há uma experiência acumulada por parte da Cogerh e dos que integram os comitês, representantes da sociedade civil, usuários e poderes públicos. "O importante é cumprir os acordos, o planejamento, que dá credibilidade", pontuou Clara Sales. "Hoje, as discussões estão mais facilitadas, mas sempre haverá conflito de interesses".

Demanda

A população quer a permanência da água nos açudes, os produtores rurais querem a liberação para viabilizar a irrigação das culturas agrícolas. Entre os agricultores, também há choque de interesse. Quem está no entorno defende a manutenção da reserva hídrica e quem está abaixo espera pela liberação da água.

O integrante do comitê do Alto Jaguaribe, o professor de piscicultura Paulo Landim é um dos críticos com relação à demora no atendimento das demandas apresentadas nas reuniões dos comitês de bacia. "O governo libera água, mas não traz medida compensatória para os moradores, produtores do entorno dos açudes, e os pedidos feitos como perfuração e instalação de poços profundos demoram ser atendidos", frisou.

Por outro lado, o presidente da Cogerh, João Lúcio Farias, acredita que o Ceará tem sido exemplo de gestão de recursos hídricos. "Atravessamos uma das maiores crises de escassez de água nesta segunda década do atual século, mas as discussões abertas, transparentes, com planejamento permitiram assegurar a distribuição da água para atender às múltiplas demandas, priorizando, conforme a lei, o consumo humano", frisou.

Além dos Comitês de Bacias, há as comissões gestoras dos açudes, que dão a palavra final, mas sempre decidindo dentro de parâmetros mínimos e máximos de vazão estabelecidos pelos comitês. A presidente do Comitê da Sub-bacia do Alto Jaguaribe, Rosângela Teixeira, destaca que, para a decisão final, "há "debate, simulações de quantitativos futuros de água, e estudos de evaporação. Esses fatores nos dão segurança em nossas decisões".

10 Comitês de bacias interestaduais no Brasil

O CBH Parnaíba é a mais recente e é a primeira a abranger o território cearense. Em área, fica atrás apenas do CBH do Rio São Francisco, que possui 604.477 km, abrangendo sete estados e 507 municípios.