Demanda por comida cresce em entidades beneficentes no Interior

A pandemia do novo coronavírus impactou as famílias de baixa renda que perderam trabalho e trouxe desafios no serviço de doação de alimentos

A crise social agravada com as necessárias medidas de contenção do coronavírus, afetando a economia e, consequentemente, tornando mais escassas as oportunidades de trabalho e renda, reflete-se no aumento da demanda em instituições que realizam trabalhos beneficentes.

Três delas, que realizam trabalhos voluntários em Iguatu e Icó, na região Centro-Sul do Ceará, enfrentam dificuldades para obter doações de alimentos.

“A nossa despensa está vazia e pedimos socorro”, disse Márcia Gurgel, a fundadora da Associação Projeto Ajudador, uma organização não-governamental, que atende desde maio de 2017, a 426 famílias e a 1.700 pessoas da comunidade Cidade de Deus, na periferia de Icó. “Temos 280 famílias em extrema pobreza”.

Márcia Gurgel frisou que “o desafio maior no momento é obter doações de alimentos para as famílias que vivenciam um quadro de extrema pobreza”. A entidade também tem um débito de R$ 1 mil com o consumo de energia elétrica.  

Ainda em Icó, os voluntários da Sociedade São Vicente de Paulo também dependem de doações para atender a um número crescente, que saltou de 30 para 200 famílias nos últimos 12 meses. “É uma situação que só se agrava”, disse um dos coordenadores do movimento social católico, Rafael Silva Monte.   

“Todo dia é uma agonia”, pontuou o padre João Batista Moreira, da paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Iguatu, que mantém a Casa de Acolhimento Padre José Marques. “Na pandemia, o número de atendimento diário quase dobrou, passando de 80 pessoas para 150”. Ele frisou que “há dias que o estoque está quase se acabando”.

Desafios enfrentados

Em Icó, a situação que já era difícil em anos anteriores, agora, com a pandemia do novo coronavírus, se tornou ainda mais crítica e desafiadora. As famílias, que tiravam seu sustento da coleta de material reciclado, acabaram perdendo sua única fonte de renda, agravando ainda mais a situação.

O catador Francisco Ferreira alega que, sem o funcionamento de setores econômicos, a renda caiu. “A gente vive de bico e agora não faço nem meio salário (mínimo) por mês”, contou. Casado, tem quatro filhos – crianças e adolescentes.  

A dona de casa Maria Nogueira recebe R$ 300 do programa social de transferência de renda Bolsa Família. Vive com o esposo, um sobrinho e dois filhos. “As ações do projeto é quem nos salva”, disse, referindo à Associação Projeto Ajudador .

Outra moradora, Maria de Lourdes Oliveira, vive com o marido e dois filhos e recebe R$ 320 do Bolsa Família. “Meu marido vive de bico e a gente não ganha um salário mínimo por mês”, contou. “Esse projeto nos dá comida, assistência médica e ajuda as crianças na educação, tudo de graça”.

De 30 para 200 famílias atendidas em Icó

Também em Icó, outro grupo de voluntários realiza um trabalho de assistência às famílias em situação de vulnerabilidade social por meio da Sociedade São Vicente de Paulo, mais conhecida por vicentinos, uma entidade ligada à Igreja Católica, fundada há 148 anos.

“A gente atendia uma média de 30 famílias antes da pandemia, mas em março, abril do ano passado, a demanda começou a crescer e hoje já são mais de 200 famílias que nos pedem ajuda”, contou um dos coordenadores do movimento, Rafael Silva Monte.

O aumento significativo da demanda em mais de seis vezes trouxe impacto para o projeto e exigiu de cada voluntário um esforço ainda maior. “As mulheres idosas que são voluntárias estão em isolamento domiciliar por causa da pandemia e diminuiu o número de colaboradores e aumentou a quantidade de pessoas que nos pedem alimento”, frisou Monte. “É triste uma família amanhecer o dia sem ter nem café para tomar”.

A situação atual exige que a rede de caridade vicentinos consiga mais doações de cestas básicas para as famílias necessitadas. “Não está fácil, mas temos apoio das paróquias, dos frades carmelitas e de muitos moradores”. O trabalho é feito em um salão paroquial, ao lado da Igreja de São Vicente de Paulo.  

Busca por um jantar cresceu 80% em Iguatu

Em Iguatu, o número de pessoas que diariamente jantavam na Casa de Acolhimento Padre José Marques cresceu cerca de 80%, segundo o pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, João Batista Moreira. “Antes da pandemia, a gente atendia cerca de 80 pessoas por dia, mas agora varia entre 140 e 150”, disse. “Precisamos de mais doações e com as igrejas fechadas fica mais difícil as doações dos fiéis”.

O religioso frisou que “as pessoas estão precisando mesmo de comida, não é invenção, a gente vê a verdadeira cara da fome”. João Batista Moreira lembrou que diariamente “mulheres com filhos pequenos batem na porta da casa paroquial atrás de doações”.

Diariamente, no fim de tarde, as pessoas chegam de vários bairros, mas a maioria mora em áreas ribeirinhas do rio Jaguaribe. Antes da pandemia jantavam em um salão da paróquia, na Casa de Acolhimento, mas agora recebem a comida em quentinhas.

O trabalho é feito por um grupo de voluntários que prepara a sopa e a distribui para as famílias. “Sempre dependemos das doações de empresas e de moradores da paróquia”, frisou o padre João Batista. “Frango, arroz, macarrão e óleo são os itens mais necessários”. A unidade conta com a parceria do projeto Mesa Brasil Sesc, que arrecada alimentos e faz o repasse para entidades e famílias cadastradas.