O Ceará é um polo de pesquisas científicas. Em 2014, a Universidade de Fortaleza (Unifor) produziu o primeiro clone transgênico de cabra da América Latina. O leite do animal possui uma proteína humana em falta no organismo de portadores da doença de Gaucher, que pode comprometer órgãos vitais. A cabra foi batizada de “Gluca” e, neste ano, completou seis anos de vida, já gerando filhotes com a mesma proteína.
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A expectativa era que o animal conseguisse produzir no leite a substância “glucocerebrosidase”, usada no tratamento de Gaucher. Estudos mais recentes apontam que este material não só fica concentrado no latcínio como pode ser passado para as futuras gerações. A partir desses estudos, outros transgênicos foram produzidos no Estado - em 2016 e em 2019.
O animal de 2016 consegue produzir proteínas presentes no leite materno, ajudando a tratar diarreia em recém-nascidos, por exemplo. O projeto é coordenado pelos pesquisadores Kaio Tavares, Leonardo Tondello Martins e Saul Gaudencio Neto. “Esses animais são muito especiais porque conseguem produzir medicamentos no seu leite. Nesta tecnologia, a gente manipula o DNA da cabra e consegue inserir um pedaço de DNA humano”, ressalta Tavares.
O pesquisador assegura que os animais não sofrem maus-tratos e que a pesquisa segue modelos rígidos se segurança.
Avanços
Em maio do último ano, também houve o nascimento de três cabras transgênicas que possuem capacidade de produzir um medicamento para tratamento de “vários tipos de câncer”, segundo o pesquisador.
“Confirmamos recentemente que há prenhezes (gestações) destes animais, o que indica que em alguns meses poderemos avaliar se o medicamento será produzido no leite. Em testes preliminares, este anticorpo (monoclonal anti-VEGF) foi capaz de reconhecer células tumorais em animais”.
Este tipo de medicamento possui altos custos. Um dos objetivos dos pesquisadores é baratear este processo, deixando-o mais acessível. “É só pensarmos que basta realizar o cruzamento da cabra, que os filhotes já nascem com esse DNA", destaca Tavares. Com os resultados, a pesquisa vem desenvolvendo parcerias com empresas estrangerias, além de institutos como o Butantan e a Fiocruz Ceará.
“Já temos parcerias com Chile (no projeto fomentado em 2019) e Instituto Butantan, além da Fiocruz do Ceará. Isso cria um polo de conhecimento no Estado, o que ajuda a fomentar outras pesquisas".
Aplicação
As tecnologias ainda não estão sendo usadas em humanos. No momento, no caso dos transgênicos de 2014 e 2016, os pesquisadores estão realizando testes para fazer a separação das proteínas do leite para, depois, iniciar a testagem química. Somente após isso, o material pode ser aplicado em humanos. Apesar disso, Tavares destaca que a tecnologia não é novidade no mercado, sendo plenamento aplicável.
"Já existem medicamentos produzidos a partir do leite de animais e usados. Como exemplo, o leite de cabras e coelhas. São medicamentos aprovados para uso há mais de 10 anos, então, não é uma tecnologia que nunca foi usada no mercado".
Doença de Gaucher (Ministério da Saúde):
- Em 2014, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o medicamento Alfataliglicerase (uma forma recombinante ativa da enzima lisossomal humana - glucocerebrosidase) para o tratamento da doença de Gaucher.
- O uso é indicado para a terapia de reposição enzimática a longo prazo em pacientes adultos com diagnóstico confirmado da doença.
- As manifestações da doença podem incluir aumento do volume do baço, doença óssea, aumento do fígado, anemia e diminuição das células de coagulação do sangue.
A Doença de Gaucher pode atingir crianças, jovens e adultos. O diagnóstico e tratamento da enfermidade inclui a correta aferição do tamanho do fígado e do baço.