Como os fósseis da Bacia do Araripe ajudam a recontar a história do planeta

Alvo de pesquisadores do mundo inteiro, os fósseis encontrados no sul do Ceará se interligam com várias partes do planeta

As bacias sedimentares preservam registros detalhados do ambiente pretérito e de processos tectônicos através do tempo geológico — linha do tempo desde a formação da Terra até o presente, que se baseiam nos grandes eventos geológicos da história do planeta. No Brasil, cerca de 60% do seu território, ou seja, aproximadamente 6 milhões de km², são formados por bacias sedimentares de pequena e grande extensão.  

Mas, diante disso, por que a Bacia Sedimentar do Araripe, que abrange os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, se destaca tanto pelos seus fósseis?

Com 9 mil km², a Bacia do Araripe reconta a história do planeta desde o período Siluriano, há cerca de 400 milhões de anos. Nela, predominam as sequências mesozoicas onde se destacam sedimentos posteriores à formação do Oceano Atlântico Sul, o que aconteceu após a separação da América do Sul e África, como explica o geólogo Rafael Celestino.  

Com um dos melhores afloramentos do Creatáceo do mundo, a Bacia do Araripe se tornou uma das mais importantes em presença de fósseis, sendo alvo de importantes pesquisadores estrangeiros e até de traficantes.

Dimensão

Na avaliação do professor Álamo Feitosa, que lidera o Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), o Araripe disputa o posto como mais importante bacia sedimentar do período Cretáceo com outras camadas sedimentares existentes apenas da China e Alemanha.

A chinesa, por possuir condições de preservação de dinossauros melhores.  Já a alemã tem uma reserva de peixes e aves com dentes que se destaca. “Mas, de uma maneira geral, somos campeões em variedades de ambientes, tanto água doce como salgada, temos o maior espectro de tempo e uma maior quantidade de espécies descritas”, ressalta. 

“São pouquíssimos os lugares no Mundo onde tamanha quantidade e qualidade de fósseis do período Cretáceo são encontrados como no Araripe”, completa o professor Allysson Pontes Pinheiro, diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri.  

Importância

Pelo bom estado de preservação, principalmente na Formação Santana — dividida nos membros Crato, Ipubi e Romualdo — os fósseis do Araripe recompõem grande parte da vida que existiu no planeta por um determinado momento.

“Quem eram esses organismos? Como eles ocupavam o ambiente? De que forma esse ambiente influenciava esses organismos? São perguntas que procuramos responder e assim entender melhor o nosso planeta e os fenômenos que nele ocorreram”, explica Pinheiro.  

“Hoje a gente fala de aquecimento global, de eras geológicas, união de continentes, ciclos ecológicos do passado graças aos fósseis, principalmente da Bacia do Araripe, que são referência”, completa o paleontólogo Álamo Feitosa.  

Dentre os fenômenos, os fósseis encontrados ajudam a entender esta configuração geográfica do planeta. “Conseguimos compreender melhor especialmente como o que hoje chamamos de América do Sul se relacionava com outras massas de terra”, pontua Pinheiro.

Ligação com outras partes do planeta

Um dos melhores exemplos sobre essa conexão vem da espécie Dastilbe Crandalli, um peixe que é comum ser encontrado na extração do calcário laminado, a chamada “pedra cariri”, no trabalho que mineração que ocorre nos municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda.

“Ele também é encontrado no Gabão, mostrando que a África e a América do Sul estavam muito próximos e, de alguma forma, esse peixe, na época do Cretáceo inferior, viveu em dois continentes diferentes”, completa Álamo.   

“Também recentemente, temos investigado a relação de caranguejos fósseis do Araripe e o do México. Desta forma restabelecemos as conexões entre partes hoje distantes do mundo, mas que em algum momento estiveram bem mais próximas inclusive geograficamente”, completa o professor Allysson Pinheiro, que pesquisa crustáceos.  

Outro exemplo de peixe fóssil localizado na Bacia do Araripe é o Vinctifer comptoni, gênero encontrado na Antártica, quando ainda era ligada à América do Sul, na Colômbia, no México e nas bacias do recôncavo baiano. “Um peixe que, basicamente, ocupou todos os mares rasos, área de costa da América como um todo”, detalha Feitosa.  

A Bacia do Araripe também está ligada à Bacia Sedimentar do Parnaíba, que abreange áreas do Piauí e do Maranhão. Fósseis de espécies encontradas na Formação Romualdo também já foram vistos nestes dois estados.

“Isso mostra que existia, de alguma forma, uma conexão entre as duas bacias. Pode ser um canal entre os dois lagos, mas sabemos que têm a mesma idade. Falta mais estudo destes casos”, defende o paleontólogo.  

A Formação Mauriti também tem idade próxima à Formação Tacaratu, no Pernambuco. “Isso mostra como é importante estudar várias formações, porque faz a datação por correlação. Os fósseis encontrados nestes locais vão ter a mesma idade geológica. Isso ajuda a ambientar”, completa. 

Jurássico ainda pouco estudado

Com tempo geológico amplo, a Bacia do Araripe também remonta o período Jurássico nas formações Brejo Santo, Missão Velha e parte da Formação Abaiara, onde se divide com o Cretáceo. Contudo, são locais ainda pouco estudados pelos pesquisadores.

Ainda nos falta gente, tempo e dinheiro para estudar o Jurássico, mas estamos trazendo professores visitantes e seleções na área de Paleontologia. Espero que supra essas necessidades em um primeiro momento. Ciência não é barata e envolve tempo”
Álamo Feitosa
Paleontólogo

Nas formações que abrangem o Jurássico já foram encontrados tubarões, crocodilos e dentes de dinossauros, mas não tão bem preservados como os fósseis encontrados em Santana do Cariri e Nova Olinda, por exemplo.

“Apesar de não tão preservados, nos traz informações importantes”, destaca o paleontólogo. Se destaca também os troncos fossilizados, alguns com mais de dois metros de diâmetro. “Mostram o tamanho das florestas que tinham no Jurássico e que diminuem de tamanho no Cretáceo”.