Aos 105 anos, Diva é a memória viva de Cariús

No último dia 8 de abril, foi comemorado o aniversário de 105 anos da professora Diva Targino

Escrito por
Honório Barbosa - Colaborador producaodiario@svm.com.br

Cariús. Aos 105 anos, a professora primária Diva Targino Cavalcante é a memória viva dos acontecimentos que marcaram a história desta cidade, na região Centro-Sul cearense. Lúcida, sempre alegre e cheia de vida, encanta e cativa a todos. As histórias das secas, a formação de um dos maiores campos de concentração do Ceará, em 1932, o projeto de construção do Açude Poço dos Paus e o ramal ferroviário para Iguatu estão presentes na lembrança da docente. A narrativa desses fatos flui facilmente.

Nesta semana, houve a comemoração do aniversário de 105 anos de Diva Targino, no dia 8, com missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora Auxiliadora e depois festa em família. "Dona Diva é uma pessoa muito querida e admirada pela simpatia, alegria, espontaneidade, um jeito meigo, e não apenas pela idade", frisou o padre, Iranildo Reis. "Sempre mostrou amor à vida, otimismo, a vontade de viver".

Diva Targino agradeceu os votos de felicitações dos moradores e a Deus, pelo dom da vida. "Estou muito feliz, que alegria", expressou. "Muito obrigada, meu Deus". E qual o segredo da longevidade? "Não casei, não tenho preocupação. Como de tudo e vivo o presente, não me prendo ao passado", afirmou. Após uma rápida gargalhada, ponderou. "Na verdade, não sei".

A sobrinha, Carmen Cavalcante, disse que a tia-avó não fica presa ao passado, mas vive o hoje. "Ela é atual e esse é o segredo de sua longevidade", frisou. Outra sobrinha, Viviane Ventura, destacou o espírito jovem da tia-avó. "Ela tem muito apreço pela vida, tem muita luz e irradia muita alegria", observou. "Quer continuar aqui com a gente por muito mais tempo".

As pessoas abraçam, beijam o rosto, a cabeça da professora. O jeito simples e alegre de ser é cativante. Crianças, adolescentes e idosos mostram admiração. "Fiz uma pesquisa com ela para a escola sobre o trem e a seca", disse o estudante Lucas Oliveira, 15. "A professora Diva é nosso patrimônio, é referência para a nossa história", pontuou o ex-prefeito, Jourdan Alencar.

Moradora de uma casa simples, na esquina da Praça da República, com Rua 1º de Maio, ao lado da Igreja Matriz, Diva Targino recebe visitas de alunos, amigos e amigas, universitários do Ceará e até de outros estados para entrevistas e pesquisas acadêmicas sobre os acontecimentos históricos que marcaram o século passado. Diva Targino foi pioneira em várias coisas: professora da Escola Reunida de Cariús (hoje Escola Adahil Barreto), primeira secretária da paróquia de Nossa Senhora Auxiliadora, madrinha do grupo de escoteiros mirins, idealizadora da gruta da Imaculada Conceição ao lado da igreja, incentivadora da arte e cultura, promotora de grupos de canto coral, canto orfeônico, teatro, dança e recitais poéticos.

Recentemente, ela enfrentou sérios problemas de saúde. Venceu uma pneumonia aguda, após ficar em estado muito grave. "Foi uma vitória da nossa guerreira", disse a médica Francineide Beserra Landim, ex-aluna da professora Diva. "Agora ela está bem". A médica mora em Crato, mas, por telefone, acompanha a recuperação da paciente-amiga. "Ela foi quem alfabetizou muitas crianças aqui em Cariús, era uma professora muito querida, admirada por todos".

Paciente e com talento ímpar de ensinar, Diva lecionou Português, História, Matemática (na época era Aritmética), Arte e Religião por mais de quatro décadas para as crianças da cidade. "É a nossa referência e incentiva as atividades artísticas", recorda a aposentada e ex-aluna, Francisca Roque. "Ainda me lembro dos ditados, da advertência, antes de 'p' e 'b' não se escreve 'n'".

Biografia

Diva Targino nasceu em Capistrano de Abreu (antigo Riachão) traz lembranças da infância e da adolescência que ficaram indeléveis. Em 1925, aos 12 anos, ela chegou a Cariús, na companhia do pai, Joaquim Targino Cavalcante, que foi atraído pelas notícias da construção de um grande açude no sertão cearense e instalou uma loja de tecidos. "Tinha um bom comércio e logo o lugar cresceu", contou. "Vieram muitas pessoas atraídas pela promessa de trabalho e foram construídos prédios, casas e aos sábados havia uma feira intensa".

Após a morte rápida do pai, Diva Targino, aos 12 anos, viveu em casa de parentes e de amigos da família, estudou e logo passou a ensinar particular e mais tarde ingressou como professora diplomada, lecionando por décadas. Vários de seus ex-alunos são formados, profissionais liberais e empresários. Um deles, Siqueira Campos, foi governador de Tocantins, e quase todos os anos faz questão de visitar a ex-professora. Na parede da sala, há diversas fotos com ex-alunos que a visitam com regularidade.

A professora aposentada costuma receber com simpatia as visitas em um alpendre, onde está instalada a cozinha da casa, na parte detrás. Há uma mesa sempre disposta com café, bolo e biscoitos. O pequeno quintal, com algumas fruteiras e roseiras, dá à residência um aspecto peculiar das cidades interioranas. O espaço é convidativo para uma boa conversa.

Ela morou um tempo no Sítio Timbaúba, zona rural de Assaré, localidade onde nasceu o pai e retornou a Cariús para ser a educadora dedicada, respeitada e admirada pelos moradores.

Centenário

Em abril de 2013, houve a comemoração do centenário da professora Diva Targino. O então governador de Tocantins, Siqueira Campos, fez a instalação provisória do governo em uma sessão realizada na Câmara Municipal de Cariús, em homenagem à professora. Ex-alunos e o governador na época do Ceará, Cid Gomes, participaram do evento.

Siqueira Campos é cearense de Cariús, exerceu quatro mandatos, como governador daquele Estado e, na infância, foi aluno da professora Diva Targino. "É uma admirável mulher, que estava à frente de seu tempo e com a força do amor e da dedicação, educou e transmitiu conhecimentos a muitas crianças e adolescentes", disse. Em homenagem à ex-professora, o governador outorgou a comenda Honra ao Mérito Tocantins.

O então governador Siqueira Campos trouxe um banner que destacava: "A namorada que sonhei". Indagado sobre o porquê da frase, recordou: "Era uma criança de dez, onze anos, e todo menino acaba se apaixonando pela professora. Tenho muitas boas lembranças da minha infância nesta cidade".

O então governador Cid Gomes lembrou que Diva tem origem no termo divina, forma sincopada. "É uma pessoa iluminada, cheia de energia positiva e que no primeiro olhar, no primeiro minuto, contagia", expressou. "A sua vida foi dedicada a transmitir o saber". Ele surpreendeu a todos ao anunciar o presente que daria à aniversariante e ao povo de Cariús. "Vou mandar construir a estrada que liga Cariús à CE-060, na localidade de Umarizeira. Fazer cem anos, merece uma celebração", disse à época. A rodovia é uma reivindicação antiga da comunidade e a obra está prestes a ser concluída. "O padre me chama para eu ir olhar, mas não fui, só quero ir quando terminar".

O diretor do Banco Mundial (Bird), Antônio Gomes Pereira, que mora em Washington, nos Estados Unidos, ex-aluno, observou: "Era uma professora completa, que se aproximava dos alunos, entendia as suas dificuldades e ensinava com amor".

Fique por dentro

Fatos lembrados pela professora centenária

Diva Targino recorda com precisão da formação do centro urbano, os seus principais acontecimentos. A expectativa era de um futuro de desenvolvimento, mas tudo mudou após o governo federal, em 1923, abandonar o projeto de construção do Açude Poço dos Paus, que teria a função de combater a seca, reduzir a fome e a mortalidade do sertanejo.

O crescimento do antigo Distrito Cariús está associado ao projeto do então presidente Epitácio Pessoa em construir o reservatório. Na época, foi instalado um ramal da ferrovia que havia chegado à cidade de Iguatu e partia em direção ao Sul do Ceará (Cariri). A Estrada de Ferro, inicialmente, impulsionou o progresso. Facilitou o transporte de material, máquinas importadas da Inglaterra e dos Estados Unidos, e de operários, que chegaram de várias cidades do Ceará e até de outros Estados.

Em 1915, houve intensa seca que resultou na morte de milhares de agricultores cearenses. "Em meio a essa tragédia, veio o projeto do açude para Cariús", observa a professora. A empresa inglesa Dwight P Robinson & Cia foi contratada pelo governo federal para executar as obras de barragem Poço dos Paus.

Em 1932, Cariús foi sede de um dos seis campos de concentração que barraram a ida de flagelados, retirantes da seca, para Fortaleza. "Eram tempos de muita fome, de muitas dificuldades", conta Diva Targino. "As pessoas queriam partir em busca de trabalho e comida e muitos morreram no caminho. Veio gente do Piauí, da Paraíba e de cidades do Ceará".

A cidade cresceu com a instalação de uma usina de beneficiamento de algodão e foi favorecida pela permanência do ramal ferroviário que continuava transportando carga e pessoas até a cidade de Iguatu. "Era simpático e agradável morar aqui. As casas construídas para os engenheiros eram altas, tinham alpendres, jardins e nas janelas, havia telas para não entrar mosquitos", lembra Diva.