Eleitos para representar a população, parlamentares da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) têm usufruído repetidamente das licenças permitidas pelo Regimento Interno. Pelo que mostra levantamento feito pelo Diário do Nordeste, dos 43 integrantes do Parlamento, 29 recorreram ao expediente para se ausentar das suas funções ao longo da atual legislatura. Deste quantitativo de legisladores, somados os períodos em que se licenciaram, seis chegaram a ficar fora das suas cadeiras por mais de um ano.
Protagonizam no ranking de licenças os seguintes vereadores:
- 1. Elpídio Nogueira (PDT)
Tempo de licença: 1.243 dias
Períodos: entre janeiro de 2021 e abril de 2024, para assumir a SecultFor; e desde o dia 11 de abril, por interesse particular.
- 2. Michel Lins (PRD)
Tempo de licença: 850 dias
Períodos: de abril de 2021 a abril de 2022, para chefiar a Regional 3; entre maio e agosto de 2022, por interesse particular; de setembro de 2022 a janeiro de 2023, para comandar a Regional 3; de agosto a dezembro de 2023, por interesse particular; e entre janeiro e maio de 2024.
- 3. Renan Colares (PDT)
Tempo de licença: 606 dias
Períodos: entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022, por interesse particular; de janeiro a outubro de 2023, para assumir a Regional 4; de novembro de 2023 a março de 2024, por interesse particular; e desde 21 de março deste ano para assumir a Regional 6.
- 4. Raimundo Filho (PDT)
Tempo de licença: 596 dias
Período: de abril de 2021 a dezembro de 2022, para assumir a chefia da Regional 11.
- 5. Guilherme Sampaio (PT)
Tempo de licença: 450 dias
Períodos: entre agosto e dezembro de 2021; de março a junho de 2023; de outubro de 2023 a fevereiro de 2024; e desde fevereiro. O parlamentar se licenciou para assumir mandato na Assembleia Legislativa do Ceará como deputado estadual.
- 6. Fábio Rubens (PDT)
Tempo de licença: 431 dias
Períodos: de dezembro de 2022 a janeiro de 2023, por motivos pessoais; de março de 2023 a 9 de abril de 2024, por assumir a Regional 8; e desde 6 de maio, por interesse particular.
O levantamento realizado considerou os dados disponibilizados no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL), utilizado pela Câmara Municipal de Fortaleza para publicizar as matérias que tramitam na Casa. O cálculo de dias foi realizado com base nas datas em que a Mesa Diretora da Casa teve ciência do pedido de licença e nos intervalos comunicados pelos gabinetes dos interessados para o início das licenças.
Na 'letra da lei'
Conforme prevê o regramento, a licença é permitida em algumas ocasiões: para tratamento de saúde, por maternidade (180 dias) ou paternidade (10 dias); por interesse particular (no máximo de 120 dias) ou em razão de investidura em cargos no Executivo, ou de outras instâncias do Legislativo.
Para solicitar do benefício, o legislador deve encaminhar um documento comunicando à Presidência da Casa, para que depois possa ser lido no Plenário. No caso de licenças obtidas por força de motivações pessoais, o período não poderá ser superior a 120 dias e o beneficiário não será remunerado.
Apesar de estabelecer as situações e limitar a quantidade de dias de algumas das modalidades de licença, o Regimento não limita a quantidade de afastamentos que um vereador pode tirar. Desta maneira, os políticos podem retornar das suas licenças e ingressar com um novo requerimento consecutivamente. Como foi feito em algumas ocasiões.
A fixação de 120 dias como limite para a modalidade de licença por interesse particular é comum a outras Casas Legislativas, inclusive estaduais. Ela é compreendida pela Justiça como uma maneira de impedir a alternância constante de cadeiras entre os titulares do mandato e seus suplentes.
Até março deste ano, duas Assembleias Legislativas, a de Mato Grosso e Pernambuco, foram alvo de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) por terem regras que permitiam licenças deste tipo por um período maior. As permissões foram vetadas pela Corte.
Em seu parecer, o relator do caso, o ministro Flávio Dino, destacou que as demais instâncias deveriam seguir o que versa a Constituição Federal quanto à concessão de tais benefícios para os legisladores. Segundo ele, qualquer conduta fora disso pode enfraquecer a representatividade democrática entre os eleitores e os parlamentares.
O que disseram os citados
Conforme mostra a listagem, o vereador que ficou mais tempo fora do Legislativo fortalezense foi Elpídio Nogueira. O pedetista foi convidado pelo prefeito José Sarto (PDT) para comandar a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (SecultFor) logo após a eleição de 2020. A licença se deu na primeira semana de gestão e só foi encerrada em abril deste ano, por conta da desincompatibilização, procedimento necessário para poder concorrer na eleição que ocorrerá em outubro.
Uma nova licença, desta vez por 120 dias, por motivos pessoais, foi protocolada por Elpídio quando do retorno. Assim, ele segue fora da cadeira ao longo dos próximos meses. Contabilizadas as duas licenças, o ex-titular da SecultFor teve apenas cinco dias de mandato durante os últimos anos de legislatura.
No segundo lugar está Michel Lins, presidente estadual do Partido Renovação Democrática (PRD) no Ceará. Pelo que contabilizamos através do SAPL, Lins entrou com cinco pedidos de licença entre 2021, primeiro ano do seu mandato, até o início deste ano.
No total, o quantitativo de dias em que ele esteve fora do Plenário chegou a aproximadamente dois anos e dois meses — ou seja, mais da metade de um mandato de vereador.
À reportagem, o dirigente do PRD afirmou que as repetidas licenças não trouxeram prejuízo para a cidade. “Isso é estratégia. Em primeiro lugar é importante dizer que isso não tem nenhum ônus para a população, porque fico sem receber o salário, porém continuo atuando”, pontuou.
“Consegui render, por incrível que pareça, ainda bem mais, porque tive muito tempo para estar na rua com secretaria visitando. Meus projetos como vereador de Fortaleza eu dei entrada em todos eles logo no início”.
“Tive projetos de indicação na Prefeitura, consegui aprovar que fossem executados”, alegou o vereador, mencionando obras realizadas pelo Executivo. Michel se orgulha em ter sido o parlamentar que mais deu espaço para outros suplentes por meio das suas licenças.
Por um período um pouco menor, mas ainda assim na terceira posição está Renan Colares, que já apontou que não pretende se candidatar para um cargo eletivo neste pleito.
“Estou afastado porque estou há mais de um ano como secretário da Regional 6, então peço licença e assumo a Secretaria. Fiquei o período de janeiro até outubro e agora de março até os dias atuais. Fora isso, tirei duas licenças de interesse particular”, explicou.
Segundo Colares, as suas licenças de interesse particular, especificamente, fazem parte de uma articulação da sua agremiação partidária, para os suplentes poderem participar da atividade legislativa.
“As licenças por interesse particular são um compromisso do partido. Ele dá mais movimentação, para contemplar os suplentes. Para isso é feito um acordo antes da eleição. O PDT tem essa dinâmica, de fazer os suplentes ter acesso e exercer o mandato também”.
Raimundo Filho, por sua vez, indicou que sua saída ocorreu em função de um convite do prefeito Sarto, logo após a eleição, para que integrasse o quadro de titulares de Secretarias do seu governo.
“Foi mais de um ano e meio, quase dois anos, e para mim foi uma grande honra. Tive uma experiência muito positiva e ajudei a gestão nesse período”.
Guilherme Sampaio disse que sua experiência de cinco mandatos na CMFor foram consideradas pela bancada do partido na Alece para que fortalecesse o projeto tocado na Casa.
“Por essa razão, tenho sido convocado a permanecer na Assembleia, e, consequentemente, me manter licenciado de meu mandato como vereador”.
“Isso se tornou possível, também, porque tenho a presença qualificada dos vereadores Dr. Vicente e Adriana Almeida, na Câmara, tocando as pautas que meu mandato sempre defendeu”, complementou o parlamentar, que também é presidente municipal do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza.
A reportagem procurou os vereadores Elpídio Nogueira e Fábio Rubens para que pudessem se manifestar sobre o assunto. Apesar das tentativas, nenhuma resposta foi enviada por eles até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja uma devolutiva.
Os outros 24 vereadores
Além dos seis que lideram o ranking, os registros da CMFor apontam para outros parlamentares que, por motivos diversos, também se licenciaram na atual legislatura, são eles:
Wellington Sabóia (Podemos) — 355 dias
Germano He-Man (Mobiliza) — 236 dias
Ana Paula (PSB) — 143 dias
Inspetor Alberto (PL) — 145 dias
Priscila Costa (PL) — 141 dias
Julierme Sena (PL) — 136 dias
Bruno Mesquita (PSD) — 120 dias
Cláudia Gomes (PSDB) — 120 dias
Cônsul do Povo (PSD) — 120 dias
Estrela Barros (PSD) — 120 dias
José Freire (PDT) — 120 dias
Kátia Rodrigues (PDT) — 120 dias
Leo Couto (PSB) — 120 dias
Lúcio Bruno (PDT) — 120 dias
Marcelo Lemos (Avante) — 120 dias
Paulo Martins (PDT) — 120 dias
Professor Enilson (Cidadania) — 120 dias
Ronivaldo Maia (PSD) — 120 dias
Sargento Reginauro (União)* — 120 dias
Ronaldo Martins (Republicanos) — 119 dias
Eudes Bringel (PSD) — 111 dias
Carmelo Neto (PL)* — 55 dias
Gabriel Aguiar (PSOL) — 49 dias
* Por terem sido eleitos para a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) em 2022, Carmelo Neto e Sargento Reginauro não integram mais o quadro de vereadores de Fortaleza.