Prefeito de Pacajus adia exigência de 'trabalho voluntário' para aluno usar transporte universitário

Inicialmente, a exigência começaria a ser implementada na próxima segunda-feira (11)

O prefeito de Pacajus, Bruno Figueiredo (PDT), decidiu adiar o início da implantação da exigência de "trabalho voluntário" para estudantes usarem o transporte universitário gratuito do Município. No fim de semana, o gestor anunciou que o prazo para início da medida seria a próxima segunda-feira (11).

A assessoria da Administração informou, nesta quarta-feira (6), que a condição para utilização do serviço público deve ser executada gradualmente, mas não forneceu detalhes sobre datas ou como serão divididas as etapas de instalação. 

No domingo (3), Bruno Figueiredo usou as redes sociais para divulgar a medida, que disse ser motivada pela necessidade dos jovens oferecerem uma "contrapartida" para a Cidade pelo uso do transporte. No entanto, o serviço é garantido por lei orgânica municipal desde 2015.

  

Na segunda-feira (4), um dia após o anúncio, parte dos alunos não conseguiu ter acesso aos coletivos devido uma ação de fiscalização promovida pela Prefeitura, em que aparelhos de verificação do código de embarque dos estudantes apresentaram defeito.

"No mínimo, 17 alunos não embarcaram, mesmo estando regularizados. Todos eram universitários, pacajuenses, estavam com o cadastro ok e foram barrados, simplesmente, por causa de erro no sistema da fiscal", detalhou um estudante, que preferiu não ter a identidade divulgada, ao Diário do Nordeste.

Por conta das reclamações dos usuários, a Câmara Municipal de Pacajus recebeu alunos em audiência pública realizada na segunda para ouvir as queixas. 

Em nota na terça-feira (5), o Ministério Publico do Ceará (MPCE) informou que, após realizar um encontro com representantes da prefeitura, ficou ajustado que a gestão irá lançar nota explicando que o trabalho a ser executado por estudantes universitários não possui caráter obrigatório, e, conforme determinação legal, não é causa restritiva de acesso ao transporte fornecido pelo município. 

"Segundo regem a lei e decreto em vigor, a realização desse trabalho é um dos critérios de prioridade para o cadastramento e acesso apenas na hipótese de a demanda ser maior do que a oferta", detalhou o comunicado. 

O órgão disse ainda que será desenvolvido um programa de estágio para que o estudante, além da prioridade para acesso ao serviço de transporte, posso utilizá-lo para fins de estágio curricular, o que depende de prévia realização de convênios com as instituições de ensino.  

"Dessa forma, a gestão afirma que os estudantes que não realizarem o estágio poderão efetivar o cadastro e utilizar o transporte universitário, na medida em que houver disponibilização de vagas", completou o MPCE, que deve instaurar procedimento administrativo para acompanhar o andamento na execução do serviço. 

Medida seria 'inconstitucional'  

A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) informou que, logo após o anúncio do prefeito no domingo, oficiou a Prefeitura Municipal de Pacajus, solicitando esclarecimentos em prazo de 24 horas. Segundo o órgão, o documento poderá instruir uma Ação Civil Pública junto ao Poder Judiciário para a situação ser evitada. 

“Trata-se de uma decisão ilegal e inconstitucional, porque nossa Constituição Brasileira, em seu Artigo 211, estabelece que os entes federados — município, estado e união —  têm o dever, em colaboração, de prover a educação nacional e o direito ao transporte dos universitários é uma decorrência do direito à educação previsto constitucionalmente. Então, não é só ilegal, mas também inconstitucional”, pontuou a defensora pública Lara Teles, que atua na cidade.

Além do conjunto de leis federal, a profissional ainda destacou que existem legislações municipais que garantem o transporte universitário aos munícipes. 

A professora de Direito Administrativo e Legislação Urbanística da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lígia Melo, reforçou o entendimento da defensora de que a medida anunciada pelo gestor público é "inconstitucional", já que não há na Constituição previsão de troca de trabalho por serviço público. No caso do transporte intermunicipal, a contrapartida poderia ser pecuniária, já que também não há obrigatoriedade de zerar a tarifa. 

Todavia, se o serviço é ofertado gratuitamente pelo Município, o prefeito não pode exigir contrapartida

"O Município existe para a prestação de serviço. Se é necessário prestar trabalho voluntário sem ser para uma política pública, sem saber que função vai exercer, sem limite de idade pré-estabelecido, é ilegal, inconstitucional. E essa ideia de prejuízo para o município é descabida. A fala do prefeito é descabida em termo jurídico e em termo de política pública"
Lígia Melo
Professora de Direito Administrativo da UFC

A especialista ainda disse que a exigência do gestor não fere somente a Constituição Federal, mas também a Lei de Proteção ao Usuário do Serviço Público (13.460/2017) e a própria lei municipal.