Prefeita de Quixeramobim foi a primeira eleita por voto direto no Brasil; conheça a história

Há 91 anos, a legislação brasileira passava a prever que mulheres pudessem também ter direito ao voto

Mais de 20 anos depois que mulheres conquistaram o direito a votar no Brasil, uma cearense escreveu seu nome da história e na luta pela igualdade de gênero na política ao ser eleita prefeita de uma cidade brasileira por voto direto. Aldamira Guedes Fernandes foi pioneira no País a chegar ao cargo mais alto do Executivo municipal por escolha dos eleitores.

Na data que marca os 91 anos da previsão, em lei, de que mulheres brasileiras pudessem também ter direito ao voto no Brasil, o Baú da Política, série de reportagens do Diário do Nordeste, conta a história da primeira prefeita de Quixeramobim, a primeira mulher a comandar uma cidade brasileira após eleição direta.

Natural de Iguatu, Aldamira foi morar em Quixeramobim ainda jovem, após casar com o médico Joaquim Fernandes, que também foi prefeito da cidade duas vezes. Aos 35 anos de idade, a mulher disputou o comando do município e foi eleita em 12 de outubro de 1958. Ela recebeu 59% dos votos na cidade. A posse de Aldamira ocorreu em 25 de março do ano seguinte. 

Eleição da primeira prefeita

“Daquela época, a pioneira no cenário político nacional recorda que não existiam comícios, não se distribuíam bonés e nem blusas dos candidatos; não haviam carros de som fazendo propagandas pelas ruas, cartazes e nem outdoors. Ela explica que só existiam duas amplificadoras de som na cidade. Uma delas, a da Paróquia de Santo Antônio e a outra, do radialista Fenelon Câmara”, narra reportagem do jornalista Alex Pimentel para o Diário do Nordeste, em outubro de 2008.

“A gente tinha que conquistar o eleitor era na visita, na conversa, mostrando nossas propostas de trabalho. Era comum a gente pedir o voto às comadres e compadres, assegurando, por conta disso, uma boa margem de votos”
Aldamira Guedes
Entrevista da ex-prefeita em outubro de 2008

Aldamira foi eleita, à época, pelo Partido Social Democrático (PSD), anos mais tarde transformado no Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

“A ex-prefeita conta ainda que, naquele período, no dia da eleição, era permitido fornecer o transporte e alimentação dos eleitores. Dependendo da ocasião, se matava um ou dois bois para o preparo da merenda e do almoço. O quintal dela ficava cheio de panelões no fogo fazendo a comida que era generosamente distribuída”, narra a reportagem.

“Nós os tratávamos muito bem. Era assim que acontecia naquele tempo, uma prática adotada por todos os candidatos. Por ser uma época de grandes dificuldades, isso se tornava um ato de apoio ao eleitor”, acrescentou a ex-prefeita durante entrevista em 2008. 

Brasil da década de 50

Nos últimos anos da década de 1950, o Brasil vivia um momento democrático. Nacionalmente, a capital federal deixava de ser o Rio de Janeiro e passava para Brasília. A bossa-nova, o teatro de arena e o cinema novo se destacavam no Sudeste, ainda assim, a participação feminina na política enfrentava resistência. Antes da cearense, o Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Norte cita Luiza Alzira Soriano Teixeira como a primeira prefeita do Brasil.

Em 1928, aos 32 anos, Luiza passou a comandar o município de Lages após vencer a eleição com 60% dos votos. A potiguar também se tornou a primeira mulher a assumir o cargo na América do Sul. Contudo, ela foi eleita mediante nomeação do governador, como previa a lei naquela época. Em 1930, Luiza perdeu o mandato por não concordar com as exigências do governo Getúlio Vargas. 

O Rio Grande do Norte também foi o primeiro Estado brasileiro a autorizar o voto da mulher nas eleições, assim, a primeira eleitora do País foi a potiguar Celina Guimarães Viana. Ela conseguiu o alistamento eleitoral invocando a Lei Saraiva, promulgada em 1881. A legislação imperial determinava direito de voto a quem tivesse renda mínima de dois mil réis. 

Entretanto, o voto feminino só foi regulamentado oficialmente em 1934, com a implantação do Estado Novo, na Era Vargas.

Participação feminina na política

A ex-prefeita Aldamira Guedes Fernandes faleceu em março de 2013 vítima de uma parada cardíaca aos 89 anos. A política nunca mais viu uma mulher ocupar o mesmo cargo que ela na cidade. 

Contudo, em 2010, uma reportagem do Diário do Nordeste mostrou a cearense ajudando a eleger a primeira mulher presidente da República do Brasil, Dilma Rousseff (PT). A petista acabou sofrendo impeachment em 2016, a dois anos de concluir o mandado e três anos após o falecimento da ex-prefeita cearense.

“Quando a ex-prefeita resolveu atravessar as praças Nossa Senhora do Carmo e Comendador Garcia com destino a Escola Assis Bezerra, o fazia convicta de que iria votar na primeira mulher a assumir o cargo mais elevado da Nação, o de presidenta do Brasil. Confiante, estava cumprindo mais um ato histórico. Feito parecido, pioneiro na política nacional, ela havia conquistado há 52 anos quando se tornou a primeira prefeita do País, por meio das eleições diretas”, narrou reportagem do Diário do Nordeste.

Ao longo da vida, Aldamira viu outras mulheres ocupando cargos de poder na política — ainda que em raras situações. Em Fortaleza, Maria Luiza Fontenele foi eleita a primeira prefeita de uma capital brasileira, comandando a cidade de 1986 a 1989. 

Os eleitores fortalezenses ainda elegeram e reelegeram como prefeita a atual deputada federal Luizianne Lins (PT). A petista foi a segunda mulher a comandar o Executivo da cidade, entre 2005 e 2012.

No Ceará, um novo marco ocorreu no ano passado, quando a primeira mulher assumiu o comando do Governo do Ceará. Izolda Cela tomou posse oficialmente após a renúncia do atual ministro da Educação Camilo Santana (PT) para disputar o Senado Federal A mandatária tentou disputar a reeleição, mas o seu então partido, o PDT, lançou Roberto Cláudio na disputa, que terminou com a derrota do pedetista.