A chegada de boletos bancários para beneficiários dos precatórios do Fundef pegou alguns professores de surpresa. O débito é referente aos honorários advocatícios cobrados pela banca responsável por representar a categoria na ação judicial que garantiu a destinação de 60% do montante para os profissionais.
Contudo, há divergência entre o que diz a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) e o Sindicato Apeoc sobre quem deve pagar o trabalho dos advogados.
Ainda em dezembro do ano passado, a Secretaria da Educação do Estado (Seduc) afirmou que o serviço deveria ser pago apenas por quem contratou os advogados. "O pagamento de honorários não é pressuposto para recebimento da verba. Trata-se de relação contratual privada de quem fez o contrato e quer pagar", dizia nota da pasta.
Por outro lado, o presidente da Apeoc, Anízio Melo, disse que todos os 50,2 mil beneficiários devem destinar uma fatia do rateio dos R$ 745 milhões para a banca advocatícia.
Em meio às posições divergentes entre a Seduc e o Sindicato Apeoc, o Diário do Nordeste procurou a presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB Ceará, Jane Calixto, para esclarecer sobre a cobrança de honorários em situações semelhantes.
Para a advogada, não restam dúvidas: “Todos os professores devem pagar. Mesmo em ações promovidas pelas entidades sindicais, se a banca é contratada e todos são beneficiados, nada mais justo que todos arquem com os custos do trabalho”, aponta.
“Não vou pagar”
A reportagem conversou com profissionais, que pediram para não serem identificados, que estão na lista de beneficiários dos precatórios do Fundef e criticaram a cobrança.
Uma professora aposentada após 38 anos de sala de aula é uma dessas pessoas. Ela conta que não assinou qualquer contrato com advogados, por isso diz se sentir “assaltada” com a cobrança. “Eu não sou associada, mas falaram que todos devem pagar, já avisei ao meu gerente do banco que não vou aceitar nenhuma cobrança não autorizada. Não concordo e, se me cobrar, não vou pagar, vou levar até às últimas consequências, vou buscar a justiça”, disse.
Outro profissional ouvido pelo Diário do Nordeste classificou a cobrança como “absurda”. “O boleto não é nem da Seduc, foram eles próprios que geraram, a Apeoc com os advogados, não tenho como pagar uma dívida que não está vinculada com o Estado, eu já ia receber esse dinheiro de todo jeito”, reclamou.
Por que pagar os honorários?
Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB Ceará, Jane Calixto explica que algumas instituições, como o Ministério Público e os sindicatos, podem representar juridicamente em nome de categorias, como foi o caso do Sindicato Apeoc na ação envolvendo os precatórios do Fundef.
“Neste caso, o Sindicato convocou os professores para uma assembleia e apresentou a proposta da ação na Justiça, por isso os advogados foram contratados. Uma assembleia sindical é um instrumento coletivo legal, portanto, a categoria estava ciente, já que foi decidido em uma assembleia”
“Neste contrato foi estabelecido que os honorários seriam pagos se houvesse proveito econômico favorável, ou seja, em caso de vitória, os advogados deveriam receber um percentual em cima do valor total, assim como estabelece o artigo 22 do Estatuto da OAB”, acrescenta.
A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. Fica permitida a dedução de honorários advocatícios contratuais dos valores acrescidos, a título de juros de mora, ao montante repassado aos Estados e aos Municípios na forma de precatórios, como complementação de fundos constitucionais.
Quanto será pago de honorários?
Em conversa com a categoria no último dia 28 de dezembro, o presidente do Sindicato Apeoc, Anízio Melo, reafirmou que todos os 50,2 mil beneficiários com o rateio dos precatórios devem pagar a banca de advogados com valores entre 10% e 15% do total recebido em cada uma das três parcelas previstas até 2024.
À época, ele também já havia adiantado que, após o rateio, cada profissional iria receber um boleto bancário para pagar os serviços prestados pelos advogados, o que está ocorrendo agora. No site do Sindicato, os professores podem acessar o boleto da dívida.
O maior percentual é cobrado para aqueles profissionais que não são sindicalizados. Já os associados da entidade irão desembolsar 10%. "A banca de advogados, em um ato de boa-fé, abriu mão de reter os honorários para cobrar diretamente os professores. Será (cobrado) 10% para quem tem vínculo (sindical) e 15% para não-sócios", disse Anízio.
“Os honorários deverão ser pagos por todos os beneficiários. A luta pelos precatórios do Fundef abrange toda a categoria, por isso a banca Aldairton Carvalho Advogados Associados, respaldada no ordenamento jurídico, irá cobrar de todos que receberão o pagamento”
Posicionamento da Seduc
Procurada novamente na sexta-feira (20) e questionada se os boletos disponibilizados pela banca advocatícia devem ser pagos, a Seduc informou apenas que não envia boletos aos professores, o que não foi relatado pelos profissionais nem questionado pela reportagem à Pasta.
“O Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Educação, informa que não envia boleto bancário para beneficiários dos precatórios do Fundef. Não haverá retenção alguma por parte do Estado”
Precatórios do Fundef
Ao todo, os professores cearenses irão receber os precatórios em três parcelas anuais. No próximo dia 1º de fevereiro, começa o pagamento do rateio de R$ 745 milhões. Mais duas parcelas são previstas, uma para este ano e outra para 2024, ambas de R$ 532 milhões.
O primeiro montante beneficia 50,2 mil profissionais do magistério que estavam em efetivo exercício na educação básica estadual durante o período compreendido entre agosto de 1998 a dezembro de 2006.
Na lista, estão pessoas que, à época, ocupavam cargos, empregos ou funções, integrantes do quadro de servidores do Ceará, com vínculo estatutário ou temporário. Também recebem os respectivos herdeiros, em caso de falecimento dos profissionais beneficiados.