Pacajus: o que diz a lei sobre ônibus gratuito aos estudantes e obrigação de trabalho voluntário

Prefeito anunciou que, para continuar tendo o direito ao serviço gratuito, os alunos terão que prestar trabalho voluntário para a gestão

A exigência de trabalho voluntário para estudantes utilizarem o transporte público universitário de Pacajus tem levantado questionamentos de vereadores sobre a legalidade da medida aplicada pelo prefeito Bruno Figueiredo (PDT), no último domingo (3). Na segunda-feira (4), alunos relataram ter sido barrados ao tentar acessar os ônibus fazem o deslocamento da cidade para instituições de ensino de nível superior em Horizonte e Fortaleza. 

Segundo o estudante Klayver Soares, que cursa Ciências Contábeis na Universidade Federal do Ceará (UFC), cerca de 20 alunos com QR Code que permite a entrada nos veículos forram barrados durante a manhã, mesmo estando com o cadastro regular. Segundo ele, o sistema da Prefeitura não reconhecia os usuários. 

"Hoje os fiscais foram lá e literalmente barraram vários estudantes que estavam com o cadastro regular", declarou. 

No último domingo, o prefeito Bruno Figueiredo anunciou que, a partir do dia 11 deste mês, os estudantes só poderão utilizar o transporte universitário se fizerem "trabalho voluntário". Segundo Figueiredo, a medida seria uma forma dos jovens darem uma "contrapartida" ao município pelo uso do serviço público.  

Em entrevista à TV Verdes Mares nesta segunda ele disse que o aluno pode estagiar no turno "da noite", "no sábado", que são só "4 horas semanais".

"Não é obrigatório completamente, é prioridade. Eu vou dar prioridade a quem faz o trabalho voluntário", ressaltou. Na ocasião, ele também disse que mais de mil alunos são transportados diariamente, minimizando o impacto de possível erro no sistema que impossibilitou o acesso de cerca de 20 alunos ao serviço pela manhã.

O transporte universitário de Pacajus foi regulamentado por lei orgânica aprovada e sancionada em 2015. Confira o que diz a legislação (395/2015) sobre o serviço prestado e a possibilidade de trabalho voluntário. 

Quem tem direito 

De acordo com a lei, 1.200 vagas são fornecidas para transportar estudantes de Pacajus para instituições de ensino superior em Horizonte e Fortaleza. Um cadastro prévio é necessário para ter direito à vaga, sendo essencial a comprovação da matrícula, frequência mínima de 75% e ter pelo menos seis meses de residência no município. 

Pelo menos 20% das vagas no transporte público universitário devem ser concedidas a estudantes negros, indígenas e quilombolas. 

O volume pode ser aumentado ou diminuído em até 25% devido às possibilidades econômicas e financeiras do município, mas deve ser comunicada aos usuários do serviço com 30 dias antes do início do ano letivo. 

Para o cadastro o individual, é exigida a apresentação de carteira de identidade e CPF. Os alunos com renda familiar de até três salários mínimos têm prioridade, assim como os com deficiência ou mobilidade reduzida e maiores de 60 anos. 

O recadastramento ocorre semestralmente pela Secretaria Municipal de Educação de Pacajus. 

Trabalho Voluntário 

A lei traz a possibilidade da Prefeitura de Pacajus solicitar, como forma de contrapartida a participação voluntária dos universitários nos programas realizados pela Prefeitura e Câmara Municipal, uma vez por semana.  

Todavia, a medida traz a possibilidade da solicitação, e não de obrigação de trabalho voluntário para utilização do serviço. A não prestação de trabalho voluntário, inclusive, não está entre os itens que podem levar o aluno perder direito ao transporte. 

Perda do benefício 

A perda do benefício é prevista somente quando o estudante: 

  • Danificar o veículo de transporte escolar; 
  • Tiver prestado informação falsa ou inverídica no momento do cadastro; 
  • Houver se desligado do curso ou trancado a matrícula; 
  • Tiver faltas ou ausências injustificadas que atinjam mais de 20% da frequência exigida para o curso. 

'Inconstitucional' 

Professora de Direito Administrativo e Legislação Urbanística da UFC, Lígia Melo, explica que o anúncio feito pelo gestor público é "inconstitucional" por não haver na Constituição previsão de troca de trabalho por serviço público. No caso do transporte intermunicipal, a contrapartida poderia ser pecuniária, já que também não há obrigatoriedade de zerar a tarifa. 

Todavia, se o serviço é ofertado de forma gratuita pelo município, o prefeito não pode exigir contrapartida. 

"Completamente descabida a prestação de serviço está vinculada a uma contrapartida para atender as necessidades do município. O município existe para a prestação de serviço. Se é necessário prestar trabalho voluntário sem ser para uma política pública, sem saber que função vai exercer, sem limite de idade pré-estabelecido, é ilegal, inconstitucional. E essa ideia de prejuízo para o município é descabida. A fala do prefeito é descabida em termo jurídico e em termo de política pública" 
Lígia Melo
Professora de Direito Administrativo da UFC

Lígia cita, ainda, que a exigência do gestor não fere somente a Constituição Federal, mas também a Lei de Proteção ao Usuário do Serviço Público (13.460/2017) e a própria lei do município que rege o serviço.