As primeiras 24 horas são cruciais para entender os rumos de uma guerra. No caso do conflito na Ucrânia, apesar de o cenário ser ainda envolto por incertezas, especialistas já conseguem entender melhor as motivações que levaram a Rússia ao ataque militar.
“Há indicações de que a invasão russa seja para trocar o governo ucraniano por um governo pró-Moscou. O que realmente nos parece mais plausível a essa altura, até porque seria uma violação ainda mais grotesca ao direito internacional incorporar a Ucrânia”, entende o professor Paulo Henrique Gonçalves Portela, da especialização em Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Para Sarah Lima, também especialista em Direito Internacional, ficou evidente, nesse primeiro dia, que a Rússia pretende “destruir a infraestrutura militar da Ucrânia” e, consequentemente, sua capacidade de resistir. “O objetivo da Rússia é controlar todo o território. Diferentemente do que se imaginava no início, a Rússia não tem foco exclusivo nas regiões separatistas”, analisa.
Negociação
Na madrugada desta sexta-feira (25), após as tropas russas alcançarem a capital ucraniana, Kiev, o ministro russo de Relações Exteriores, Serguei Lavrov, declarou que o país estava pronto para iniciar negociações com as autoridades ucranianas se a Ucrânia baixasse a guarda.
“Estamos prontos para negociações, a qualquer momento, assim que as forças armadas ucranianas ouvirem nosso chamado e deporem suas armas”, disse o representante.
Sarah acredita que a Rússia queira que a Ucrânia volte imediatamente a ser subserviente a ela e desista de entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “Imagino que, para manter a população ucraniana sob seu controle e evitar reiteradas manifestações, a Rússia deseje que a Ucrânia opte pelo diálogo o quanto antes”.
Contudo, Paulo observa que a Ucrânia está resistindo o quanto pode e que “não deve entregar fácil esse jogo”. “A resistência ucraniana existe. Se isso sinaliza que vai haver uma conversa ou não, eu não sei, mas pode ser que a sinalização de (Vladimir) Putin por diálogo seja uma reação a essa resistência”, presume o especialista.
Protestos e refúgios
Também neste primeiro dia, uma série de protestos contrários à guerra foram observados na Rússia. As manifestações já acarretaram a prisão de mais de 1,2 mil pessoas e irritaram o governo russo.
"É um sinal interessante de oposição. O governo russo afirma que é fake news, mas veículos de comunicação internacionais afirmam que esses protestos são verdadeiros", constata o professor Paulo.
Sarah não acredita que os protestos terão grande impacto. "Até o momento, as manifestações não influenciam no andamento conflito. Centenas de pessoas foram presas na Rússia, que promete reprimir todas as manifestações e afirma que todos os manifestantes sofrerão graves consequências judiciais", conta.
A Organização Não Governamental (ONG) de Direitos Humanos openDemocracy, em relato sobre as primeiras 24 horas do conflito, escreveu que "esta é uma grande guerra na qual ninguém queria acreditar até o último momento". "Os soldados russos, que tantas vezes falavam dos ucranianos como 'irmãos', decidiram hoje atirar neles. Milhares de pessoas em toda a Ucrânia fizeram as malas e deixaram suas casas", lamentou.
O movimento de refugiados deve ficar mais intenso nos próximos dias, segundo Paulo. "O fluxo de refugiados já está muito alto. Já tem muita gente indo embora ou tentando sair da Ucrânia. Daqui a pouco a gente vai ter essa questão, de a Europa estar recebendo refugiados em massa e, talvez, fechar as portas, porque serão muitos", projeta o especialista.
A Embaixada do Brasil em Kiev lançou nota quinta (24) afirmando que permanece "aberta e dedicada, com prioridade, desde o agravamento das tensões, à proteção dos cerca de 500 cidadãos brasileiros na Ucrânia" e solicitou aos que estão nas zonas de conflito que mantenham contato diário com o órgão.