O Ministério da Saúde (MS) ignorou a recomendação da Advocacia-Geral da União (AGU) para abrir um processo administrativo investigatório sobre a responsabilidade da empresa chinesa Santos-Produtos que quebrou contrato de R$ 1 bilhão e deixou de fornecer respiradores para pacientes com Covid-19 à pasta. As informações são do UOL.
Essa foi primeira compra destes equipamentos durante a pandemia, no Brasil. Contratada em abril de 2020, a fornecedora deveria entregar 15 mil respiradores em um mês — que viriam de Macau, na China —, mas não o fez. Apesar disso, o órgão não buscou reaver os prejuízos após o rompimento contratual.
O dinheiro para concretizar o pagamento ficou guardado entre abril e maio de 2020. Em 7 de maio daquele ano, houve o cancelamento da reserva do valor.
Em junho, o AGU apontou ser necessária a abertura de processo administrativo para apuração dos fatos e ouvir todos os envolvidos para possíveis sanções, incluindo multa ou a perda do direito de licitar.
Pelas cláusulas contratuais, a Santos-Produtos deveria ser enquadrada em um procedimento de punição por descumprir o acordo. Uma garantia de R$ 50 milhões prevista também não foi paga.
Todavia, segundo apuração do portal, o Ministério da Saúde nada fez um ano e seis meses após o rompimento do contrato.
Contrato foi assinado por Roberto Dias
Quem assinou o documento pelo MS foi o ex-diretor do Departamento de Logística Roberto Dias — atualmente, investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid por diversas irregularidades em compras firmadas pela pasta.
Do lado da fornecedora, a assinatura foi do intermediário Donizete Faria Calil. Conforme o contrato, ele era representante da Biociência, uma segunda empresa que seria a representante da Santos-Brasil. Mas o vínculo foi negado pela companhia chinesa.
Procurados pelo UOL, o Ministério da Saúde e Roberto dias não se pronunciaram sobre o assunto.
Sem garantias
Em maio do ano passado, técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) disseram não haver como "assegurar a existência da empresa contratada Santos-Produtos do Brasil" e a vinculação com os supostos representantes no País.
Portanto, havia risco de problemas na execução do contrato, como ocorreu. O CGU também disse que, na proposta de preços recebida, havia inconsistências que não permitiam saber o modelo de respirador a ser fornecido. Além disso, a imagem enviada não correspondia ao modelo do equipamento descrito no texto.
Apesar dos indícios, o acordo foi firmado sem licitação. A legislação para contratação de bens e serviços foi flexibilizada, no ano passado, para medidas de enfrentamento à pandemia.
O que dizem os envolvidos
Ao UOL, a Santos-Produtos do Brasil Companhia de Investimento e de Comércio, de Macau, informou que o Ministério da Saúde cometeu um "erro grosseiro" ao assinar o contrato com um representante não autorizado.
Já o intermediador Donizete Faria Calil — ex-dono de farmácias que diz atuar há dezenas de anos em Brasília com licitações — afirmou que teria sido apresentado à companhia chinesa pelo suposto representante Luiz Roberto Araújo. Assim, ele teria feito uma parceria com a Biociência para representá-la.
Araújo, porém, disse ser engenheiro de negócios internacionais e negou ter relação oficial com a firma, mas observou que "apenas apresentou a empresa que tinha potencial de venda com quem tinha capacidade de representá-la no Brasil e com cadastro no Ministério da Saúde".
Donizete garantiu ao portal que tinha a autorização pra realizar o procedimento, mas ficou aliviado com a frustração do contrato.
"Na verdade, eu não conhecia essa empresa. Fui pesquisar depois [da assinatura do contrato] e descobri que é de fundo de quintal. Seria um escândalo. Ainda bem que esse negócio 'gorou'", declarou ao portal.
Biociência não respondeu ao UOL e pediu que a reportagem procurasse por Donizete.