Atual pré-candidato à Presidência da República, Ciro Gomes (PDT) renunciou ao cargo de governador do Ceará há 28 anos. À época, a decisão desencadeou uma situação única na história do Ceará: o governo que o sucedeu durou apenas um mês. Para comandar o Estado até 31 de dezembro daquele ano, foi escolhido um segundo sucessor de Ciro, que geriu o Executivo por 85 dias.
O Diário do Nordeste relembra a história nesta reportagem que integra uma série de sobre casos inusitados na política cearense.
Renúncia
Eleito ainda em 1990, Ciro Gomes assumiu o Governo do Ceará em 15 de março do ano seguinte. À época, a Constituição Brasileira não permitia a reeleição de gestores públicos. Assim, já na reta final de seu mandato, o hoje pedetista foi convidado pelo então presidente Itamar Franco para assumir de imediato o Ministério da Fazenda.
O presidente – assim como Ciro – só tinha mais três meses pela frente de mandato. O convite, no entanto, era uma oportunidade concreta de projeção nacional para o ex-governador do Ceará – que disputaria a presidência pela primeira vez em 1998.
A decisão do governador, aceitando o convite, foi oficializada em 7 de setembro de 1994. Para isso, ele renunciou à cadeira no Executivo estadual. Essa decisão do ex-governador ocorreu a menos de um mês das eleições gerais daquele ano, realizadas em 3 de outubro.
Com a renúncia, a Constituição prevê – até hoje – dois substitutos na linha sucessória: o vice-governador, à época, Lúcio Alcântara, e o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Francisco (Chico) Aguiar.
Em contagem regressiva para as eleições seguintes, nenhum dos dois sucessores aceitou a missão – Lúcio, inclusive, renunciou ao cargo de vice-governador junto com Ciro. A justificativa era que tanto Lúcio quanto Aguiar pretendiam disputar o pleito, um para o Senado Federal e o outro para a Assembleia Legislativa, respectivamente. Caso aceitassem a função no Executivo, ficariam inelegíveis.
Governador por um mês
Com a recusa do vice-governador e do presidente do Legislativo, tomou posse no Ceará o desembargador Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal, presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), terceiro na linha sucessória.
“A renúncia do governador e do vice-governador implica na convocação de uma eleição do chamado governador tampão, pela Assembleia Legislativa, nos primeiros 30 dias após a última renúncia. O presidente da Assembleia Legislativa, primeiro na linha da sucessão, será o responsável pela convocação da eleição do governador tampão. No momento, o presidente da Assembléia, em razão da disputa de uma reeleição, está impedido de assumir o Governo do Estado. Em seu lugar, fica em substituição ao governador Ciro Gomes, até o final dos 30 dias previstos para a convocação da eleição do governador-tampão, o desembargador Adalberto Barros Leal”, relatou o Diário do Nordeste em reportagem à época.
No cargo, o desembargador esteve um mês à frente do Governo do Ceará com a missão de convocar novas eleições para definir o mandato-tampão que iria finalizar a gestão até dezembro.
“O desembargador reconhece não ser muito experiente em relação às questões políticas, mas enfatiza que "o dinheiro público terá que ser preservado até o último centavo". Para justificar sua decisão de não promover alteração na administração pública estadual, nos próximos trinta dias, o desembargador Adalberto faz elogios à administração de Ciro e diz que como ‘a máquina está funcionando bem e em time que está ganhando não se faz alteração’”, disse o magistrado à reportagem do Diário do Nordeste de setembro de 1994.
Nessas situações, a Constituição prevê que a eleição ocorra de forma indireta entre os membros da Assembleia Legislativa. Os mandatários podem apresentar-se como candidatos e serão escolhidos entre os colegas.
Entenda a manobra
Na prática, a manobra previa que Lúcio renunciasse ao cargo de vice-governador, mantendo-se como candidato ao Senado; Chico Aguiar também recusaria assumir o cargo de governador e seguiria como candidato à reeleição.
O novo governador, Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal, ficaria na função até o prazo limite para convocar eleições indiretas, período suficiente para que Aguiar já tivesse sido reeleito e pudesse assumir como governador-tampão sem prejudicar seus planos eleitorais naquele ano.
“Todos os entendimentos são no sentido de que a convocação da eleição do governador-tampão pela Assembléia Legislativa só deva acontecer no final do prazo determinado pela Constituição, ou seja, 30 dias após a última renúncia do governador e do vice-governador, o que na atual circunstância só aconteceria no início do mês de outubro, após passada a eleição estadual e acabado os impedimentos legais”, narrou reportagem do Diário do Nordeste.
Portanto, o desembargador empossado como governador teria sob sua gestão a realização de outra eleição no Ceará, as eleições gerais de 1994, realizadas em 3 de outubro. Naquela disputa, Tasso Jereissati (PSDB) foi novamente escolhido como governador do Ceará.
Quem também saiu vitorioso das urnas foi Lúcio Alcântara (PSDB), então vice-governador que recusou assumir a cadeira deixada por Ciro. O tucano foi eleito senador da República com 1,2 milhão de votos. Chico Aguiar também teve sucesso no pleito, sendo reeleito como deputado com 36,6 mil votos.
Eleição indireta
Passadas as eleições gerais, o nome favorito para suceder Ciro Gomes – o presidente da Assembleia Legislativa, Chico Aguiar – passou a ter condições legais de assumir a função. Com isso, o governador Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal convocou as eleições indiretas, que escolheram Aguiar como governador do Ceará.
O político tomou posse em 7 de outubro de 1994, permanecendo no cargo até 31 de dezembro, para ser sucedido por Tasso Jereissati. Ao todo, ele ficou pouco mais de 80 dias na cadeira de chefe do Executivo do Ceará.
Impasse em Alagoas
Um episódio semelhante ocorreu neste ano em Alagoas. Em abril, o governador Renan Filho (MDB) renunciou ao cargo, cumprindo o prazo de desincompatibilização para disputar as eleições para o Senado.
O primeiro na linha sucessória, o vice-governador Luciano Barbosa, havia renunciado ao cargo ainda em 2020 para disputar – e vencer – a corrida rumo à Prefeitura de Arapiraca.
Já o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Vitor (MDB), optou por não assumir o Governo, mantendo-se viável para disputar a reeleição.
Assim, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Klever Loureiro, último na linha sucessória, assumiu o posto e convocou eleições indiretas. No pleito, os parlamentares escolheram o deputado Paulo Dantas (MDB) como novo governador.