De olho em uma fatia do Fundo Partidário e nas eleições de 2024, partidos políticos têm negociado a formação de federações, fusões e incorporações de outras siglas como nova roupagem para sobreviverem. Por conta da cláusula de barreira, apenas 14 representações partidárias, que abrangem 18 partidos, irão receber recursos do Fundo em 2023. No ano passado, eram 24.
Os valores são utilizados para manter as agremiações e financiar candidaturas. Neste ano, o Fundo Partidário está orçado em R$ 1,18 bilhão e é distribuído de acordo com a proporção de votos obtidos pelas legendas para a Câmara dos Deputados. Assim, as representações partidárias que mais elegeram deputados federais ficam com as maiores fatias da verba.
Todavia a cláusula de barreira estabelece uma cota mínima, o que fez com que outros 13 partidos ficassem de fora da repartição da verba.
Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto, a introdução da cláusula de barreira na Legislação Eleitoral busca mesmo diminuir a quantidade de partidos existentes no Brasil, tendo em vista que muitos não tinham identidades claras e serviam apenas para abrigar grupos políticos. A cláusula de barreira foi aprovada pelo Congresso em 2017 e começou a ser implementada a partir das eleições de 2018.
"Instituiu-se uma cláusula de barreira, ou cláusula de desempenho, que impede partidos políticos que não alcancem o percentual estabelecido de votos de ter acesso ao Fundo Partidário e aos tempos de programa de rádio e TV na eleição. A cada eleição geral, de 2018, de 2022, está havendo um aumento desse percentual mínimo de votos – até chegar a 3% em 2030. (...) Hoje em dia o Fundo Partidário é essencial para manutenção dos partidos e, ao contrário do que deveria acontecer com a redução de partido tendo acesso a esses valores, não está acontecendo. O valor do Fundo Partidário só aumenta"
Verbas
O PL, por exemplo, fez 99 assentos e deve receber o maior valor, cerca de R$ 200 milhões; seguido pela federação Fe Brasil (PT, PCdoB e PV), que elegeu 81 deputados federais e deve obter aproximadamente R$ 150 milhões; e pelo União Brasil, que garantiu 59 parlamentares na Casa e deve ficar com R$ 120 milhões.
Além deles, também devem receber recursos do Fundo Partidário:
- PP (47);
- MDB (42);
- PSD (42);
- Republicanos (40);
- Federação PSDB-Cidadania (18);
- PDT (17);
- PSB (14);
- Federação PSOL-Rede (14);
- Podemos (12);
- Avante (7);
- Solidariedade (7).
As representações partidárias citadas nesta reportagem abrangem partidos e federações, que são contadas como grupo único – tendo em vista que, para a Justiça Eleitoral e para o Congresso, elas contam como se fossem uma única legenda.
Apesar de terem garantido vagas na Câmara dos Deputados em 2022, o PSC, Patriota, Novo e PTB não irão receber verbas do Fundo Partidário em 2023 por não terem atingido a cláusula de barreira – que exige que os partidos tenham elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em nove estados ou tenham atingido no mínimo 2% dos votos válidos nas eleições gerais de 2022 para receber o Fundo Partidário.
Articulações para fusões e federações
Foi por conta da cláusula de barreira e das restrições ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV que o Pros e do Solidariedade se uniram para sobreviver. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) homologou a incorporação do Pros pelo Solidariedade. Com isso, o Solidariedade passou a ter direito a verba do Fundo Partidário de 2023.
representações partidárias foram eleitas para a Câmara dos Deputados em 2022, mas só 14 irão receber recursos do Fundo Partidário.
Até janeiro, antes da incorporação, nem o Pros e nem o Solidariedade tinha direito ao recurso devido à cláusula de barreira. Assim, o Pros passou a ter uma nova roupagem sendo absorvido pelo Solidariedade.
Na eleição do ano passado, o Pros fez três assentos para a Câmara dos Deputados, enquanto o Solidariedade alcançou quatro. Apesar de juntos não totalizarem 11 deputados, eles atingem o percentual de 2% dos votos válidos – caso que acontece com o Avante. Por isso, os dirigentes das agremiações negociaram a incorporação do Pros ao Solidariedade, extinguindo o Pros. Agora, os sete parlamentares que pertenciam as duas legendas integram somente o Solidariedade.
O professor do Departamento do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Carlos Zacarias, avalia que a ditadura militar fez com que a população brasileira tivesse apreço pelo pluripartidarismo, o que acarretou a criação de mais partidos do que é possível manter.
Todavia, isso também trouxe um efeito colateral com a formação de partidos “absolutamente fisiológicos, sem identidade ideológica”, que são os mais fáceis de desaparecer. Porém, com a cláusula de barreira, legendas menores, mas com identidade ideológica também corriam risco, por isso as federações vieram como uma alternativa.
“Partidos que passaram anos e a cada eleição emprestavam apoios, ou alugavam apoios, seus tempos na TV às agremiações maiores. Esses partidos corriam risco de desaparecer e o dispositivo das federações foi justamente para evitar que essas organizações desaparecessem pura e simplesmente”
Os partidos PTB e o Patriota também estão tentando se fundir para poderem sobreviver. As siglas fizeram um e quatro deputados federais, respectivamente. Juntas, elas querem formar o "Mais Brasil". O processo está em trâmite no TSE.
Já o PSC está buscando ser incorporado pelo Podemos diante da dificuldade de continuar se custeando sozinho. De linha conservadora, o PSC é uma das legendas que vem perdendo espaço para outras maiores com o mesmo viés ideológico. Na eleição de 2022, a legenda fez apenas 6 deputados e ficou de fora do Fundo Partidário. Já o Podemos fez 12 e conseguiu ter direito a uma fatia do Fundo.
Se o PSC for incorporado pelo Podemos, o pedaço desta última legenda do Fundo aumentará – já que o número de representantes do partido na Câmara será elevado, tendo em vista que os seis parlamentares do PSC passam a ser do Podemos. Assim, o partido ficaria com 18 assentos na Casa. Um processo para homologar a incorporação do PSC ao Podemos está tramitando no TSE.
União e PP
A sobrevivência não é a única motivação que leva os partidos a buscarem se fundir. Em Brasília, lideranças nacionais do União Brasil e do PP tentavam formalizar uma federação entre as agremiações para, juntas, terem a maior bancada da Câmara e a maior fatia do Fundo Partidário. Além disso, eles passariam a contar como uma única representação partidária e teriam o maior tempo de TV e rádio na propaganda eleitoral de 2024.
As negociações, contudo, foram encerradas e a fusão não deve ocorrer, segundo informou o presidente da Executiva Nacional do PP, Ciro Nogueira, nesta quarta-feira (15). "No que diz respeito ao Progressistas, encerramos as discussões para formação de federação junto com o partido União Brasil", escreveu ele em seu perfil no Twitter.
Se o acordo tivesse sido formalizado, a federação União-PP teria 106 deputados na Câmara, a maior bancada do Parlamento e, consequentemente, a maior fatia de emendas parlamentares e o maior poder de barganha com Executivo – já que o presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), integraria a federação.
Desde que assumiu o mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tentado atrair cada vez mais o União Brasil e o PP para a sua base em busca de apoio para aprovar medidas do Executivo no Congresso. Em troca, o União já foi contemplado com três ministério no Governo: Comunicações, Turismo e Integração e Desenvolvimento Regional.
Em paralelo, o União tem votado como base do Governo Federal, ainda que o partido não preserve essa configuração em todos os estados. A legenda já é fruto de uma nova roupagem do PSL e DEM, que se fundiram no início de 2022 para dar origem ao União. Com a fusão, a postura do partido em relação ao Governo Lula mudou. Antes de se fundirem, PSL e DEM faziam uma oposição ferrenha a Lula e a governos do PT.
O PP, por sua vez, ainda não tem cargos no primeiro escalão do Executivo Federal, mas tem aberto diálogo com o Governo por meio de Lira e de outras lideranças. Nos estados, a legenda também tem divergência em relação ao apoio ao PT.
Para a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Paula Vieira, existia um interesse do Poder Executivo Federal na federação do União e do PP, para aproximar as legendas e mantê-las unificadas no apoio ao Governo. Além disso, ela avalia que, diferente de outras agremiações em que as federações são formadas como ensaios para fusões futuras, os dois partidos do Centrão não devem se fundir.
“Eu acredito que para eles a distância é bem maior para uma fusão. Essa aproximação é mais no sentindo de formar uma maioria na bancada, que essa bancada possa ser mais forte para implementação da agenda do Executivo, por serem dois partidos grandes. É mais para formação de uma coalizão, para ter um vínculo maior que uma coalizão, porque a federação tem um vínculo obrigatório, é uma forma de exercer controle das lideranças dentro desses partidos”
s acordos entre União e PP têm enfrentado impasses nos estados devido a alinhamentos diferentes das legendas – que, em caso de federação, teriam que seguir o mesmo posicionamento. No Ceará, por exemplo, o PP compõe o rol de aliados do Governo do Ceará, que é petista. Já o União Brasil integra a oposição ao Executivo Estadual. Além disso, a legenda tem como presidente estadual Capitão Wagner, um dos principais adversários políticos do governador Elmano de Freitas (PT) e pretenso candidato à Prefeitura de Fortaleza em 2024.
A nível nacional, o União está alinhado com o governo petista de Lula, enquanto o PP ainda preserva resistências.
Para Paulo Zacarias a possibilidade de fusão entre o União e o PP também é remota. Ele acredita, inclusive, que há chances de a federação entre as duas legendas não sair devido a influência de caciques locais.
“A possibilidade de fusão do União Brasil e do PP é muito improvável. As dificuldades já estão dadas em diversos estados, em função do que é a política no Brasil – ainda mais se tratando de partidos que, mesmo com um caciquismo localizado nacionalmente muito evidente, há também outros interesses locais”, analisa Zacarias.
“Então, eu vejo como muito difícil essa fusão – até porque o União Brasil já é resultado de uma fusão do PSL com o DEM, e o que se dizia na época que essa fusão estava sendo costurada é que o União Brasil seria o maior partido desse País. E não foi, porque houve uma série de desacordos, uma série de baixas e isso também se reflete na dificuldade de um acordo da União Brasil com o PP, que vai impactar regionalmente”
A pesquisadora Paula Vieira exemplifica, ainda, como essa federação do União com PP poderia impactar no Ceará, tendo em vista que as legendas estão em lados opostos no Estado. Para ela, o ponto de impasse é justamente a eleição de 2024, já que o líder da legenda é um possível candidato.
“O Capitão Wagner não vai abrir mão de ser candidato, nem que ele tenha que sair do União Brasil. Se entrar muito em um conflito interno, a tendência é ele se realocar em outro partido. E o Wagner a gente sabe que tem uma transição entre várias legendas, negociação, então ele não vai ter esse apego não”, destaca.
PDT e PSB
Outras siglas que estão estudando a costura de uma federação é o PDT e o PSB. Com a diminuição das bancadas das legendas na Câmara, diálogos para uma possível federação entre os partidos que integram o rol de aliados de Lula foram abertos de olho nas eleições de 2024.
Das eleições de 2018 para as eleições de 2022, o PDT saiu de 28 deputados eleitos para 17 – uma diminuição de 39%. No mesmo período, o PSB desidratou de 32 deputados eleitos para 14 – 56% a menos.
Quem tem acompanhado as articulações das siglas é o Solidariedade, que incorporou o Pros em fevereiro e tem se movimentado para aumentar de tamanho. Todavia, a possibilidade de o Solidariedade também integrar uma possível federação com o PDT e PSB é mais remota. Em Brasília, a legenda também é aliada ao presidente Lula.
Representação na Câmara
Os impactos da cláusula de barreira têm retirado muitas legendas do Congresso Nacional. Nas eleições gerais de 2018, 30 partidos foram eleitos para a Câmara dos Deputados. Em 2022, foram 19 representações partidárias – 36% a menos.
Siglas com DC e PMN deixaram de fazer representantes de um pleito para o outro. Já outras agremiações como DEM, PSL, PPL, PHS e PTC, por exemplo, deixaram de existir devido a incorporações ou fusões com outros partidos.
No Senado, 20 agremiações diferentes fizeram senadores em 2018 – 11 a mais do que em 2022. Naquele pleito, no entanto, 54 vagas estavam em disputa no Senado contra 27 em 2022.
partidos foram eleitos para a Câmara dos Deputados em 2018, 11 a mais do que em 2022
Todavia, ao analisar a permanência dos representantes nas legendas eleitas em 2018, é possível identificar um enxugamento de siglas na Casa devido a incorporações e extinções de agremiações. Atualmente, só 13 legendas que entraram em 2018 permanecem.
O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE explica que na legislação há uma brecha para os parlamentares que se sentirem prejudicado com os acordos feitos pelos partidos que não atingiram a cláusula eleitoral poderem se desfiliar sem perder o mandato.
“Esse deputado eleito pelo partido tem a possibilidade de migrar de partido, sair do partido que não obteve a cláusula. Ele tem a liberdade de poder sair sem problema de fidelidade partidária, isso fora da janela partidária. Há uma expressa determinação na Constituição para o deputado se desfiliar por justa causa nessa situação” finaliza.