Desde 1985, nordestinos tiveram mais da metade dos mandatos na presidência do Congresso Nacional

Dados são de levantamento do Diário do Nordeste sobre os comandos das casas legislativas desde a redemocratização

A mudança no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em fevereiro, deve consolidar uma tendência nestes cargos: a presença de, pelo menos, um parlamentar nordestino na presidência das casas legislativas que formam o Congresso Nacional. O deputado federal Hugo Motta (Republicanos), da Paraíba, reúne a maior quantidade de apoio parlamentar para suceder Arthur Lira (PP), de Alagoas, na presidência da Câmara dos Deputados. A eleição deve ocorrer no retorno dos trabalhos legislativos, no próximo mês. 

Desde 1985 — quando foi iniciado o processo de redemocratização brasileira com a eleição de Tancredo Neves —, 10 senadores e 8 deputados federais nordestinos estiveram no comando do parlamento federal. No Senado, o Nordeste lidera, com ampla margem, o ranking de presidentes da Casa. Dos 16 presidentes da Casa Alta no período, 10 foram nordestinos — dois deles, do Ceará.

Na Câmara dos Deputados, a presidência de parlamentares do Nordeste é igualada pelo Sudeste — região que, apesar de ter menos estados, tem 28 deputados federais a mais do que o Nordeste. Dos 18 presidentes que comandaram a Câmara Federal, 8 foram nordestinos. Apenas um deles era cearense: o ex-deputado federal Antônio Paes de Andrade.

Se, por um lado, a forte presença de parlamentares nordestinos na presidência da Casa evidencia a relevância do Nordeste, principalmente do ponto de vista eleitoral, a ocupação destes cargos — cujas atribuições vão desde a decisão sobre a votação de proposições de lei até a forte influência sobre o orçamento federal — também é relevante para alavancar o desenvolvimento da região. 

"O peso demográfico e eleitoral fortalece o protagonismo de políticos nordestinos no Congresso, e coincide com o poder de barganha utilizado nas articulações políticas, evidenciando a importância desses personagens no cenário político pós-redemocratização", pontua a cientista política e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Mariana Dionísio.

Influência no Congresso Nacional

Dionísio pontua que a presença dos parlamentares nordestinos nestes espaços de decisão "tende a potencializar a distribuição de recursos" e "favorecer o Nordeste na definição de prioridades orçamentárias e políticas públicas", o que pode favorecer inclusive a "alocação de emendas parlamentares para prefeituras locais". 

"A presença de lideranças nordestinas em posições de destaque também contribui para aumentar a atenção nacional às demandas da região, na medida em que amplia a visibilidade para os políticos e para pautas como turismo, agricultura, políticas de atenção básica e fortalecimento do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FNE)", completa.

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Essa importância, principalmente na distribuição de recursos, cresceu na última década. Em 2015, o Congresso Nacional aprovou Emenda Constitucional para prever a execução obrigatória de parte das emendas parlamentares individuais. 

Ao longo dos últimos dez anos, outras proposições foram aprovadas ampliando as emendas impositivas, como, por exemplo, as emendas de bancada, as emendas do relator-geral — que deixaram de existir — e de comissões — que atualmente estão no centro de queda de braço entre a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal. 

Para 2025, o projeto de lei do Orçamento anual prevê R$ 38,9 bilhões para emendas parlamentares impositivas. A votação da peça orçamentária, que deveria ter sido feita até o final de 2024, acabou ficando para o início deste ano. 

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Além disso, o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, colocou os ocupantes da presidência do Senado Federal e da Câmara dos Deputados em evidência para a população, pontua a pesquisadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Paula Vieira

"A população tem acompanhado um pouco mais desde então. E qual a importância, não só do ponto de vista de representação em relação à população, mas como isso pode se tornar estratégico? Os presidentes das Casas pautam a agenda legislativa. Então, é um modo de colocar o Nordeste no centro dessas pautas". 
Paula Vieira
Pesquisadora do Lepem/UFC

A dinâmica legislativa permite ainda que estes parlamentares sejam responsáveis pela articulação política, ao ter acesso tanto às lideranças partidárias como a representantes do governo federal. Contudo, todo esse poder na mão de parlamentares nordestinos nem sempre resulta em protagonismo para a região, pondera Mariana Dionísio. 

"Mas isso não quer dizer, de forma determinante, que a presença de parlamentares nordestinos garantirá, necessariamente, desenvolvimento para a região. Nos últimos anos, lideranças nordestinas como Arthur Lira e Renan Calheiros não garantiram protagonismo no Nordeste, seja em relação à destinação de emendas para prefeituras ou articulação política para alocação de recursos".
Mariana Dionísio
Cientista política

Importância eleitoral x desenvolvimento

Portanto, apenas a presença destes parlamentares do Nordeste na presidência não significa, necessariamente, esse ganho para a região. "Os resultados práticos dependem da capacidade dessas lideranças de traduzir sua influência em melhorias concretas para o Nordeste", pontua Dionísio.

Esses resultados dependem do "pragmatismo" dos parlamentares nordestinos nas articulações, acrescenta Paula Vieira. "Pensar nessa via de mão dupla: o que o Nordeste tem para oferecer de ponto de vista pragmático e o que precisamos para que esse desenvolvimento (da região) aconteça", diz.

Se por um lado, a atração de recursos é importante para o Nordeste, assim como garantir um maior "equilíbrio" no número de parlamentares — já que Sudeste supera o número de representação no Congresso —, por outro a região é importante para a matemática eleitoral. 

"Os políticos nordestinos acabam tendo bases eleitorais mais concentradas territorialmente, então, em termos de estratégias locais, de negociações, conseguem ter acesso às prefeituras e aos municípios, consequentemente mais articulação para efetivar uma agenda política voltada para o desenvolvimento do Nordeste também", completa.