CGD vai investigar presença de policiais penais na Câmara de Pacajus, após denúncias de intimidação

Os policiais investigados também foram afastados de suas funções preventivamente

A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) publicou no Diário Oficial do Estado (DOE), na segunda-feira (26), que vai instaurar um processo administrativo disciplinar contra policiais penais suspeitos de intimidação na Câmara Municipal de Pacajus.

A suposta infração teria sido cometida na sessão do dia 1º de junho, quando a Casa votou a aceitação de denúncia contra o prefeito Bruno Figueiredo (PDT) e o vice-prefeito Francisco Fagner (União). Na ocasião, vereadores instalaram uma comissão processante para apurar a conduta dos gestores em relação à previdência dos servidores da cidade.

À época, o Diário do Nordeste divulgou nota da Prefeitura que relatava o seguinte: "vereadores que eram da base aliada foram intimados por homens armados que adentraram ao plenário do Legislativo".  

Os policiais identificados por meio de imagens obtidas pela Controladoria, na sessão do dia 1º, são Rafael Nunes de Meneses, Haroldo Moreira Lima Júnior e José Evilásio Brito da Silva. Segundo a CGD, o primeiro "estava fazendo, em tese, a segurança privada de vereador do município de Fortaleza" naquela data. Eles também foram afastados de suas funções preventivamente. 

A reportagem também pediu mais informações à Secretaria da Administração Penitenciária do Ceará (SAP) sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. O nome do suposto vereador da Capital que seria beneficiado pelo serviço de segurança não foi divulgado.

Suspeita de intimidação

Ao Diário do Nordeste, o presidente da Câmara de Pacajus, Tó da Guiomar, disse lamentar o episódio. "A Câmara é aberta ao público, ninguém sabe quem entra e quem sai. Quando soubemos dessa suposta intimidação, esvaziamos o plenário e fizemos uma revista, mas não encontramos nada", contestou.

Para ele, houve "uma vontade política" de que não acontecesse a abertura da comissão processante contra a gestão, a quem acusa de fazer uma "armação" para "desviar o foco" da investigação dos vereadores.

Em resposta, a Prefeitura de Pacajus disse que, naquela noite, antes do início da sessão, tomou conhecimento de "que alguns homens armados estavam entrando na Câmara Municipal" e que teriam chegado junto a membros da oposição, incluindo o presidente da Câmara.

"Comprova tal situação pelos vídeos e imagens da sessão da Câmara, nota-se que os vereadores da situação ficaram acuados e, por diversos momentos, cobraram o presidente do Legislativo, que, em tal momento, disse: 'se o vereador tivesse achando ruim que ele saísse do plenário'", declarou a gestão por meio de nota enviada à reportagem. 

A Prefeitura afirmou que, no mesmo momento, acionou o Corregedor Geral da Polícia Militar, o Secretário de Segurança do Estado e a Guarda Municipal de Pacajus. Disse, ainda, que a denúncia contra o prefeito e o vice-prefeito foi pautada de "surpresa" e que foi uma "cortina de fumaça" para desviar a atenção de inquérito contra ex-membros da gestão e uma vereadora do município. 

O que diz a legislação

Para a CGD, os policiais violaram, em tese, os deveres funcionais previstos no artigo 6º, da lei 258 de 2021, que trata sobre o regime disciplinar dos policiais penais da SAP. São eles:

  • Desempenhar as atribuições legais e regulamentares inerentes ao cargo ou função com zelo, dedicação, eficiência e probidade;
  • Manter conduta pública e privada compatível com a dignidade da função;
  • Desempenhar suas funções agindo sempre com discrição, honestidade, imparcialidade, respeitando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, bem como lealdade às normas constitucionais;
  • Fazer cumprir as regras, os princípios e fundamentos institucionais que regem o Sistema Penitenciário;
  • Ter irrepreensível conduta profissional, colaborando para o prestígio do serviço público e zelando pela dignidade de suas funções;
  • Tratar as pessoas com urbanidade.

Quanto às transgressões disciplinares, com base na mesma legislação, a CGD apontou as possíveis práticas: 

  • Exibir desnecessariamente arma, distintivo ou algema;
  • Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, caso não constitua falta mais grave;
  • Praticar ato definido em lei como abuso de poder;
  • Cometer crime tipificado em lei quando praticado em detrimento de dever inerente ao cargo ou função, ou quando o crime for considerado de natureza grave, a critério da autoridade competente.

Marcos Silva, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), aponta que, no caso do policial que atua no campo da segurança privada, há a "venda de um saber que foi operado pelo Estado". 

A prática é ilegal, mas "culturalmente" é observada em larga escala, tanto em empresas de segurança privada quanto em atuações mais "VIP", como diz o professor, para pessoas com boas condições financeiras, como políticos e empresários. 

Os agentes da segurança atuam na segurança privada a revelia, muitas vezes, dos seus superiores, atuam de maneira afrontosa muitas vezes, porque o trabalho na segurança privada é precarizado, não é regularizado. Você contrata um agente do Estado para fazer um serviço que é ilegal e imoral dentro dos códigos de ética e disciplinares da sua profissão
Marcos Silva
Professor da Unilab e pesquisador do LEV-UFC

Mas reitera: como é cultural o emprego de agentes da segurança pública na segurança privada, isso torna-se aceito perante a sociedade e é reproduzido pela categoria, em boa parte.

"Aí se tem consequentemente uma produção de legalismos policiais muito mais presente, como o que aconteceu agora: abuso de autoridade, do poder de polícia para afrontar o outro", completa.

A prática pode, ainda, trazer impactos negativos para toda a corporação e sociedade, já que, com a atuação dupla, há um aumento da carga de trabalho.

"Então esse policial vai adoecer mais rápido, eleva os índices de adoecimento policial. E esse adoecimento vai produzir estresse, vai produzir violências. A atuação policial fica fragilizada (com a jornada dupla). [...] São consequências geralmente danosas para o policial, para a instituição policial e para a sociedade também", conclui.