Baú da política: campanhas contratam imitador de Lula para anunciar apoio em eleição

Casos ocorreram no pleito de 2008 em dois municípios cearenses. Os postulantes foram proibidos pela Justiça de usar as gravações

“Companheiros e companheiras, nunca na história deste país…”: a frase tantas vezes repetidas nas últimas duas décadas no Brasil é de autoria inconfundível. Em eventos, inaugurações, anúncios de ações e pronunciamentos oficiais, o presidente Lula (PT) repete o que já virou bordão para exaltar os avanços de seu governo. 

Foi aproveitando essa memória popular que, em 2008, as campanhas de dois candidatos a prefeito cearense, Romeu Aldigueri (PDT), de Granja, e Antônio Almeida (MDB), de Acopiara, usaram uma gravação com as características da voz do Lula. Na mensagem, o suposto presidente, que, na verdade, era um humorista, anunciava apoio aos dois políticos, os citando nominalmente.

Diário do Nordeste: PPS confirma expulsão de Romeu Aldigueri

A estratégia eleitoral provocou burburinho não só em Granja e em Acopiara — onde os postulantes viraram alvos da Justiça Eleitoral —, mas um dos candidatos recebeu uma sanção nacional do partido ao qual era filiado, sendo expulso da sigla.

Apoio de peso

À época, Lula vivia um pico de popularidade do segundo governo — após superar o desgaste do Mensalão e se reeleger. A busca pelo apoio do petista era intensa e gravações com “falsos” presidentes apoiando candidatos proliferaram no Brasil todo. Contudo, os casos cearenses foram usados como referência na Justiça.

As campanhas de Romeu, à época no PPS, e Antônio, no PTB, usavam a mesma empresa de marketing eleitoral para gerenciar as propagandas. As campanhas contrataram um humorista apelidado de Fox para imitar a voz do então presidente e anunciar o apoio.

Os candidatos apoiados pelo “falso Lula” integravam chapas coligadas ao PT e já utilizavam a imagem do presidente em seu material de campanha impresso. Os áudios foram veiculados em rádios e começava com a tradicional saudação do petista: “companheiros e companheiras”.

O humorista ainda reproduzia termos comumente usados por Lula, como "nunca na história desse país se fez tanto para melhorar a vida das pessoas".

Expulsão

O apoio do falso Lula ao então candidato Romeu Aldigueri foi um dos que provocou maior alvoroço. À época, o político tentava chegar ao comando de Granja, onde está a sua base eleitoral. Ele disputava a cadeira do Executivo contra Esmerino Arruda, seu tio e principal adversário, e o vereador Eliomar Dias.

A polêmica em torno da gravação citando Aldigueri teve início quando seu primo, o então deputado estadual Gony Arruda (PSDB), divulgou, no plenário da Assembleia Legislativa, o áudio de programa de rádio com a imitação.

Inicialmente, Romeu acusou o próprio tio, que era dono da emissora da rádio retransmissora do programa eleitoral, de ter manipulado a inserção falsificando o apoio de Lula. Contudo, depois a fraude foi confessada pela própria empresa contratada para promover a chapa.

Além da irregularidade, que foi identificada e proibida pela Justiça Eleitoral, o caso tinha outro agravante. O PPS, sigla do candidato a prefeito, havia proibido aliança com o PT e, por conta da gravação, a direção nacional da sigla determinou a expulsão do cearense logo após a eleição

Mesmo com o falso apoio, Aldigueri não conseguiu se eleger. Ele só chegou ao comando do Executivo da Cidade em 2012. Atualmente, o político integra o PDT — e luta para deixar o partido, seguindo os passos do senador Cid Gomes (PSB). Ele é líder do governo petista de Elmano de Freitas na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) e é presença constante nas agendas de Lula quando ele visita o Ceará.

Em nota enviada por meio da assessoria de imprensa, Aldigueri voltou a comentar o episódio do pleito de 2008.

“Todos sabem que, em uma campanha, há uma série de apoiadores que tomam iniciativas que fogem do controle do candidato, sobretudo, em 2008, quando o processo eletivo brasileiro era mais imaturo. Felizmente o Brasil tem um Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é uma estrutura rara mesmo no mundo democrático, e quem vem regulamentando o que pode ser usado e, assim, ensinando os limites éticos no processo eleitoral. Além disso, sobre esse caso de 2008, a Justiça compreendeu que não foi um ato determinado por mim e eu fui inocentado”
Romeu Aldigueri (PDT)
Líder do Governo Elmano na Alece e ex-prefeito de Granja

Apoio em Acopiara

Já em Acopiara, Antônio Almeida, assessorado pela mesma empresa de marketing eleitoral, também usou a gravação. No caso dele, seja pelo falso apoio do presidente ou não, o resultado nas urnas foi positivo — mesmo com a ordem da Justiça de suspender o uso da gravação. Ele não só foi eleito em 2004 como se reelegeu no pleito seguinte — quando contou com o “apoio de Lula”.

“De fato, usamos essa gravação, a empresa contratada produzia o material em Fortaleza e já chegava pronto em Acopiara. Quantos descobrimos que estava circulando nas ruas, tiramos de circulação, mas a Justiça proibiu também. A gente achava que podia usar porque o PT era da aliança, mas não podia, fizemos foi perder voto com a confusão toda”
Antônio Almeida (MDB)
Prefeito de Acopiara

O político retornou ao Executivo da Cidade em 2016 e foi reeleito em 2020. 

Em dezembro do ano passado, Almeida foi alvo de uma operação do Ministério Público do Ceará (MPCE) que apura crimes de corrupção, fraude em licitações, falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro envolvendo servidores públicos e representantes de locação de veículos que prestam serviço à Prefeitura de Acopiara. Ele chegou a ser afastado do cargo, mas já voltou ao mandato.