Ataques de Bolsonaro acirram tensão entre poderes e provocam reação do Judiciário e Legislativo

O presidente do STF, Luiz Fux, cancelou reunião entre os três poderes, e presidente da Câmara, Arthur Lira, determina votação de PEC do voto impresso

Um tensionamento sem precedentes no Brasil pós-redemocratização resultou em uma reação também inédita do Judiciário do Brasil nesta semana. A escalada de ataques entre os poderes da República protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a cancelar uma reunião institucional e provocou reação do Legislativo. 

Para cientistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, os poderes vivem um momento de “paz armada” e a crise preocupa porque não dá sinais de que cessará tão cedo.

Tensão 

Nessa nova investida de Bolsonaro, o principal alvo é o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A subida de tom começou no dia 29 de julho, quando o presidente da República fez uma live e apresentou uma série de acusações de supostas fraudes no sistema de votação brasileiro.

Bolsonaro, porém, não apresentou provas. Na transmissão nas redes sociais, o chefe do Executivo Federal mostrou apenas teorias e vídeos que circulam na internet inverídicos, desmentidos, inclusive, por órgãos oficiais. 

As acusações contra o sistema eleitoral brasileiro são feitas para reforçar a bandeira defendida pelo presidente Jair Bolsonaro do voto impresso.  

"Por que o presidente do TSE quer manter suspeição das eleições? Quem ele é? Por que ele fica interferindo por aí, com que poder? Não quero acusá-lo de nada, mas algo muito esquisito acontece", disse Bolsonaro. 

Enquanto Bolsonaro apresentava as supostas irregularidades nas eleições, o TSE desmentia em tempo real as afirmações. Ao todo, foram 18 alegações desmentidas pelo órgão.

Reações

Nos dias seguintes, os ataques não cessaram. Na segunda-feira (2), o presidente acusou o ministro de querer uma eleição "suja". "Quem quer eleição suja e não democrática é o ministro Barroso. Esse cara se intitula como quem não pode ser criticado", disse. 

"O Barroso ajuda a botar o cara [Lula] para fora da cadeia, torna elegível. E o Barroso vai contar os votos dele lá? Qual a consequência disso?", questionou, ironicamente.

A reação começou no mesmo dia. O presidente do TSE disse que quem repete uma mentira muitas vezes será "perenemente prisioneiro do mal".

A ameaça à realização de eleições é conduta antidemocrática, suprimir direitos fundamentais incluindo de natureza ambiental é conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódios e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática"
Luís Roberto Barroso
Presidente do TSE

Paralelamente, o TSE tomou uma das ações mais contundentes contra o presidente Jair Bolsonaro desde que ele começou a ameaçar as eleições de 2022 e criticar a urna eletrônica. 

Por unanimidade, a Corte decidiu abir um inquérito para investigar a conduta de Bolsonaro e enviou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o chefe do Executivo seja investigado no inquérito das fake news. 

O pedido foi atendido na última quarta-feira (4) pelo relator do inquérito, Alexandre de Moraes. 

Judiciário

Quem também se manifestou foi o presidente do STF, o ministro Luiz Fux. No ápice da crise até o momento, ele disse que Bolsonaro não cumpre a própria palavra e anunciou o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes que havia convocado. 

Fux disse que o chefe do Executivo tem reiterado os ataques a integrantes da corte, em especial aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, e que as ofensas não atingem apenas os dois, mas todo o tribunal.

Ofensivas

Para a cientista política, Grazielle Albuquerque, pesquisadora do Judiciário, essa reação do STF é inusual e mostra uma posição de antagonismo do poder ao Executivo. 

É inusual que o Judiciário bata de frente com o executivo, não é da natureza da Corte, mas estamos diante de um cenário atípico. Esses momentos mostram uma posição blocada da Corte. Bolsonaro está conseguindo a façanha de unir o STF, de criar uma grande coalizão entre os ministros, com exceção do Kássio (Nunes Marques)"
Grazielle Albuquerque
Cientista política

Segundo o pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, desde a redemocratização, ao longo das crises, nunca houve ameaças ao Judiciário.

Ele lembra que, agora, o cenário é ainda mais delicado, porque o presidente Bolsonaro não tem aliados ou auxiliares que vão na contramão para tentar solucionar as crises institucionais.

"Uma coisa que sempre existia no Governo eram os “bombeiros”, que eram ministros ou lideranças do governo que tentavam amenizar esses ataques, dizer que ele foi mal interpretado. Mas essas figuras não existem mais. E outra, ele agora está atacando sistematicamente a base da democracia institucional representativa, que é o aparato eleitoral".

Reação no Legislativo

Em meio a essa crise institucional, o Legislativo reagiu. Aliado, o presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira (PP-AL), anunciou que vai colocar em votação no plenário, nos próximos dias, a proposta do voto impresso. 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi rejeitada na comissão especial e pelos indicativos dados por partidos e parlamentares tende a ser rejeitada no plenário, o que seria uma derrota para Bolsonaro.

Em um discurso enfático, Lira afirmou que o plenário será o juiz dessa disputa em torno do voto impresso que, segundo ele, já foi longe demais.

"Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar, sim, a questão do voto impresso para plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica vão decidir. E eu friso: foram eleitos todos pela urna eletrônica".

Voto impresso

Grazielle Albuquerque reforça que o voto impresso não é unanimidade na classe política, mesmo entre os seus aliados, e que bater de frente com isso pode custar caro para Bolsonaro.

"Não dá para fazer uma briga para o voto impresso, porque isso bate de frente com interesse de governadores e deputados. Ele está pagando o preço, mas vai ter uma hora que esses próprios parlamentares vão defender seus interesses. O Lira e o Ciro (Nogueira, ministro da Casa Civil) não vão mudar um sistema eleitoral para prejudicar a eles próprios e as suas bases em nome de um projeto restrito".

Cleyton Monte avalia que a resposta de Lira, apesar de ser um aliado do Governo, é estratégica para não mostrar que ele está conivente com a situação. 

No caso do Congresso, Pacheco tem se manifestado. Já na Câmara, o Lira é aliado de primeira hora do presidente, então ele tenta se afastar da polêmica, relativizar, ser indiferente. O problema é que ele demonstrando que não irá responder soa como uma conivência para a população"
Cleyton Monte
Pesquisador do Lepem/UFC