O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia da Covid-19, senador Renan Calheiros (MDB-AL), listou 15 informações que julga serem falsas dada pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello em depoimento. As informações são do jornal O Globo.
Segundo Calheiros, o general mentiu ao falar de assuntos como o uso de cloroquina, a aquisição de vacinas e a falta de oxigênio. O relator classificou a conduta do militar como criminosa, por configurar "falso testemunho".
O ex-ministro participou de dois dias de oitiva na CPI. Na primeira sessão, quarta-feira (19), Pazuello passou mal e a reunião foi suspensa. O testemunho continuou nesta quinta-feira (20).
"Ficou evidente que a missão do depoente nesta CPI não foi esclarecer a população ou colaborar para encontrarmos a verdade, mas, sim, eximir o presidente da República de qualquer responsabilidade pela condução temerária pelo Governo Federal das ações de combate à pandemia", escreveu Calheiros em documento sobre as falas de Pazuello.
"Embora tenha sido claramente treinado para esse objetivo, seu depoimento não se sustenta, e qualquer pessoa que tenha acompanhado suas declarações ao longo da pandemia e ouviu o que disse ontem a esta Comissão chega à mesma conclusão: o depoente estava, sem nenhum pudor, mentindo para proteger outros culpados", diz outro trecho.
No segundo dia depoimento, o parlamentar informou que solicitou a contração de uma agência de checagem de fatos para verificar a veracidade das declarações dos depoentes.
Veja lista de mentiras apontadas pelo relator
Ordens de Jair Bolsonaro
No primeiro dia de oitiva, Pazuello afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nunca o deu ordens diretas. “Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada”, disse.
No entanto, Calheiros mencionou um vídeo divulgado pelo gestor do Executivo nacional, em outubro de 2020, em que o ex-ministro aparece do lado de Bolsonaro dizendo: “É simples assim: um manda e outro obedece".
A gravação ocorreu logo após o presidente desautorizar, em uma publicação nas redes socias, a negociação do Ministério da Saúde para a compra de vacinas CoronaVac, produzidas pelo Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac.
Aplicativo TrateCov
Também na quarta-feira, o ex-ministro disse que o aplicativo TrateCov, plataforma que prescrevia tratamento precoce, não chegou a ser distribuída aos profissionais de saúde. “A plataforma nunca entrou em operação”, disse o general.
O TrateCov indicava o uso de cloroquina, azitromicina e hidroxicloroquina, medicamentos que não possuem comprovação científica de que funcionam contra a Covid-19.
O relator da CPI aponta que o aplicativo foi lançado pelo Ministério da Saúde em 11 de janeiro, durante um evento em Manaus. A apresentação da plataforma foi noticiada na TV Brasil, emissora pública do Governo Federal.
Já na sessão de quinta-feira, Pazuello disse que o aplicativo foi vazado por um hacker e, assim que soube da circulação do programa, mandou tirá-lo do ar.
Decisão do STF
Durante o depoimento, Pazuello disse que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) limitou a atuação do Governo Federal no combate a pandemia. O militar disse que não havia “a possibilidade de o Ministério da Saúde interferir na execução das ações dos estados na saúde sem usurpar as competências dos estados e municípios”.
No entanto, Calheiros rebate a afirmação do ex-ministro no documento. “Em nenhum momento o Supremo proibiu ou limitou ações federais. A decisão na Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 6341 permite que estados e municípios tomem suas medidas, mas não impede que o Ministério da Saúde tome as suas”.
Brasil entre os países que mais imunizam
O militar relatou aos senadores que o Brasil integra o ranking de países que mais imunizam no mundo, dicando atrás somente de "Estado Unidos, China e Índia". Porém, para o relator a afirmação do depoente tem o objetivo de confundir.
“Não faz sentido comparar números absolutos. O que importa é imunização percentual, ou seja, quantos por cento da população receberam a vacina. Além disso, começamos a vacinar no final de janeiro, quando poderíamos ter começado em dezembro do ano passado, como tantos países conseguiram. Nosso ritmo é um dos mais lentos do mundo”, avalia o parlamentar.
Cloroquina como antiviral
Pazuello classificou a cloroquina como um medicamento antiviral e anti-inflamatórios. "Pelo menos é o que me é trazido, eu não sou médico”, esclareceu.
Calheiros então rebateu a afirmação pontuado que “a cloroquina não é um antiviral nem um anti-inflamatório, e sim um antimalárico, utilizado no combate ao plasmódio da malária, que é um protozoário”.
O senador e médico Otto Alencar (PSD-BA) também advertiu o depoente sobre a declaração errônea.
Cloroquina usada contra zika vírus
Ainda sobre o medicamento, o ex-ministro da Saúde disse que, em 2016, durante a epidemia do zika vírus, ele foi usado e classificado como protocolo para o tratamento da doença pelo Ministério da Saúde.
Mas, segundo o relator da CPI, “nunca houve administração de cloroquina para pacientes contaminados pelo zika vírus”. E que a afirmação de Pazuello servia para "confundir, para tentar passar uma ideia de versatilidade à cloroquina e, assim, tentar justificar seu uso para outras doenças”.
Legislação impedia transação com Pfizer
No documento, Calheiros ainda questiona a declaração do depoente ao dizer que não teria como comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer sem uma autorização do Congresso.
O relator destacou que, na época das primeiras tentativas da empresa, o ex-ministro e o presidente apenas reclamavam das cláusulas do contrato, mas não citavam a necessidade de uma lei.
“Ao contrário, retiraram esse dispositivo do anteprojeto da Medida Provisória 1.026. Vossa Excelência disse que não sabe por que o governo fez isso e que não foi decisão do ministério. Ainda assim, afirma que a Presidência não tinha ingerência sobre sua gestão. A alteração legislativa veio de um projeto do Senado. O governo, que tinha a iniciativa legislativa, nada fez”, disse.
Compra da CoronaVac
O ex-ministro disse na comissão que o presidente Jair Bolsonaro não deu ordem para que ele não comprasse vacinas CoronaVac, produzidas pelo Instituto Butantan e desenvolvidas em parceria com o laboratório chines Sinovac.
Entretanto, o chefe do Executivo nacional disse, em 21 de outubro do ano passado, um dia após Pazuello anunciar que o MS compraria doses do imunizante, que já havia mandando o ex-ministro cancelar o pedido das vacinas.
Em depoimento, o ex-ministro disse que a declaração não representava uma ordem de cancelamento, mas somente uma “posição política”.
“O Presidente do Butantan, Dimas Covas, antes mesmo do depoimento de Vossa Excelência, fez questão de enviar ofício para esta Casa, afirmando que, após a contraordem do Presidente da República, em outubro de 2020, houve uma completa paralisação do processo de negociação, só sendo realmente assinado em 7 de janeiro de 2021”, afirmou Calheiros.
Tratamento precoce
Mesmo depois de afirmar que não haveria a possibilidade de o Ministério da Saúde interferir na execução das ações de estado da saúde, o relator apontou que Pazuello, em evento com Bolsonaro no dia 11 de janeiro, confirmou a atuação pelo tratamento precoce.
“Você entrou com o tratamento precoce em Manaus, não entrou?”, perguntou Bolsonaro ao então ministro. "Já está funcionando com a nova gestão”, respondeu o ex-ministro.
Colapso de oxigênio em Manaus
O general disse que só foi informado sobre a iminência da falta de oxigênio em Manaus no dia 10 de janeiro deste ano à noite. Ele reforçou ainda que no dia 13 de janeiro houve uma queda de 20% na demanda e no consumo e que no dia 15 o estoque voltou a ser positivo.
O relator pontuou que faltou oxigênio em Manaus por mais de 20 dias.
“Ofício que a Advocacia-Geral da União enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro afirma que o governo federal sabia do “iminente colapso do sistema de saúde” do Amazonas dez dias antes de a crise estourar e faltar oxigênio para pacientes no estado”, disse o Calheiros.
Covax Facility
O militar disse que, em um primeiro momento, era mais importante “estar presente no consórcio [Covax Facility] era mais importante" do que a aquisição de uma quantidade mais elevada de imunizantes.
“A informação não condiz com a realidade. O consórcio era capitaneado pela OMS, praticamente todos os países já haviam aderido e o Brasil, naquele momento, não tinha perspectiva de outras contratações que justificasse a reserva de valor tão pequeno de doses da vacina”, disse o relator.
TCU contra assinatura com a Pfizer
Pazuello disse que o Tribunal de Constas da União (TCU), a Controladoria-Regional da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e "todos os órgãos de controle" disseram que a proposta da Pfizer para o fornecimento de 8,5 milhões de doses no primeiro semestre não deveria ser assinada.
"Mandamos para os órgãos de controle, a resposta foi: não assessoramos positivamente. Não deve ser assinado", contou no plenário da comissão.
No entanto, em nota, o TCU negou a afirmação e disse que "em nenhum momento seus ministros se posicionaram de forma contrária à contratação da empresa Pfizer para o fornecimento de vacinas contra a Covid, e tampouco o tribunal desaconselhou a imediata contratação em razão de eventuais cláusulas contratuais".
Produção de cloroquina
Conforme Calheiros, o ex-ministro "afirmou desconhecer que a produção de cloroquina para Covid pelo Exército tenha passado pelo Ministério da Saúde".
"Ministério da Defesa informou textualmente que foi o Ministério da Saúde que determinou a produção de cloroquina pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército", disse o relator.
Pressão pró-cloroquina
Pazuello disse que não sofreu pressão do presidente para estimular o uso de cloroquina no tratamento da Covid-19. Calheiros então relembrou que os ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, afirmaram que sofreram pressão. Então o relator classificou como "inverossímil" que o mesmo não tenha acontecido com o militar.
Contingência
Calheiros contesta as afirmações de Pazuello sobre o plano nacional de contingência contra a doença.
Conforme o relator da CPI, diante dos resultados "pífios" do plano e de uma cobrança do Tribunal de Contas da União (TCU), o MS, em vez de melhorar a execução, trocou palavras no projeto para facilitar a meta. Onde havia, por exemplo, a palavra "garantir", entrou "apoiar".