LAI: 'Resposta tem que ser imediata', alerta diretora-executiva da Open Knowledge Brasil

Em entrevista, Fernanda Campagnucci fala sobre desafios à implementação da lei e reforça obrigações das gestões públicas

Checagem feita pelo Diário do Nordeste na plataforma de atendimento à Lei de Acesso à Informação (LAI) nos municípios cearenses aponta que a maioria das gestões ainda não cumpre a obrigação. São quase 90% das prefeituras que não responderam à demanda feita pela reportagem na plataforma de Sistema Eletrônico de Informações ao Cidadão (e-SIC).

A seguir, confira entrevista com a diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnucci, em discussão sobre o assunto. Ela é especialista em Transparência e Accountability pela Universidade do Chile (2014), foi fellow de Governo Aberto da Organização dos Estados Americanos (2015), líder de Dados Abertos do Open Data Institute (2016) e fellow de governo da Unidade Operacional Governança Digital da Universidade das Nações Unidas, a UNU-EGOV (2018).

Confira a entrevista: 

O que diz a Lei de Acesso à Informação e quais as obrigações das prefeituras para o cumprimento dessa lei? 

A Lei de Acesso à Informação regulamentou um direito que já estava previsto na Constituição, o direito de acessar informações públicas para todos os entes públicos, seja ele estadual, federal, municipal ou nos diferentes poderes, como Executivo, Legislativo e Judiciário. Ela trouxe mais elementos para fazer esse direito ser cumprido.

Qualquer pessoa já poderia fazer um pedido e acesso à informação antes de 2011, data da aprovação da Lei de Acesso. A questão é que não havia prazo definido, não tinham responsáveis definidos para aquela demanda, não tinham mecanismos de recurso. O que a Lei de Acesso à Informação fez foi estabelecer parâmetros básicos para todo mundo.

Foi uma conquista estabelecer parâmetros para fazer um direito sair do papel e ser efetivamente cumprido. A lei vale para os municípios tanto quanto para o Governo Federal. As prefeituras estão sujeitas à Lei de Acesso da mesma forma. Tudo tem que ser cumprido integralmente. 

Testamos os 184 municípios do Ceará com um pedido de informação a cada um deles. 89% não cumpriu a LAI em sua plenitude. Como você avalia esse cenário? 

Esse quadro é muito grave e precisa ser cada vez mais discutido. Desde que a Lei de Acesso trouxe esses parâmetros gerais, ainda assim cada ente público precisa estabelecer uma regra própria dentro dos parâmetros de como vai funcionar. É preciso que haja um decreto municipal. Se a Lei de Acesso fala que tem que ter instâncias recursais, por exemplo, os municípios irão dizer quem são essas autoridades, quem é o responsável.

Tem município (em) que a primeira instância são os chefes de gabinete, as controladorias são responsáveis pela segunda instância. Para a terceira instância, precisa nomear quem faz parte de uma comissão de avaliação. Apesar de que as prefeituras já estão sujeitas à lei, é muito importante que haja essa regulamentação para ter bem definidas as responsabilidades. Não havendo essa regulamentação, quem vai ser responsável é o prefeito.  

Nesse quadro, o que mais chama atenção é que 118 municípios não responderam. A Lei de Acesso fala que a resposta tem que ser imediata, e ela pode levar 20 dias, e que deve ser prorrogada por mais dez dias apenas nos casos em que for justificado com um trabalho adicional que exija um tempo para compilar a informação — se não ela tem que ser intempestiva.  

O Fórum de Acesso à Informação lançou uma campanha recentemente para que os prefeitos em novos mandatos assumam esse compromisso de regulamentar a lei em nível municipal. Esse já é um quadro que, passados quase dez anos da lei, já deveria estar bem resolvido. Além dos dados, é preciso olhar a qualidade das respostas. 

Durante o levantamento, foi muito comum ver que nas plataformas do e-SIC dos sites das prefeituras não havia a possibilidade da abertura de recurso — o que inviabilizou uma reclamação de demanda em atraso, por exemplo. Como você observa essa falha? 

A falta de implementação de um sistema que tenha processo de recurso é uma afronta à lei. Agora, o fato de não ter esse botão que facilite o recurso não impede que o cidadão busque outros canais para registrar essa reclamação. Quando a gente se depara com uma situação como essa, a gente pega o número de protocolo e registra na ouvidoria do município ou em outro canal de denúncia. Isso vai chamar a atenção do administrador e documentar essa falha para depois a prefeitura ser acionada na Justiça, e isso pode confirmar que houve uma omissão.  

O fato disso ser comum é muito preocupante porque é um avanço fundamental da Lei de Acesso. Antes já existia a possibilidade de pedir uma informação, a novidade foi fazer com que a lei não ficasse só no papel, é a possiblidade de você questionar, abrir recursos quando não for atendido. A ausência desse caminho é uma barreira que a prefeitura está impondo ao cidadão para o pleno exercício desse direito. É uma questão grave.  

Não só o canal de recurso tem que existir, mas o ideal é que seja automático. Existe, inclusive, o recurso de ofício. Mesmo que o cidadão não apresente o recurso, se passou da fase de resposta o sistema automaticamente tem que gerar os recursos para uma instância superior. E a instância que fiscaliza dentro do município, controladoria, corregedoria, ouvidoria, tem que ficar atenta a esses casos e acionar internamente os mecanismos mesmo sem a solicitação do cidadão. É um monitoramento permanente. 

Nos casos dos municípios que não têm e-SIC, mas têm "fale conosco" e "ouvidoria", esses outros mecanismos cumprem completamente com as recomendações da transparência? De alguma forma impedem que os gestores sejam eventualmente punidos por não cumprirem a Lei de Acesso à Informação? 

Os canais de SAC, “Fale Conosco” e “Ouvidoria”, são fundamentais, mas são complementares, e não têm a mesma função de um sistema de informação ao cidadão. Inclusive, há uma tendência de unificar esses canais para fazer uma gestão mais eficiente, mas você tem que tratar de modo diferente. A natureza é diferente.

O sistema de informação ao cidadão trata de pedidos de informação. O atendimento ao cidadão vai tratar de reclamações, de denúncias e isso não pode ser tratado da mesma forma. As questões da Lei de Acesso à Informação têm um prazo muito bem definido e você simplesmente colocar isso no mesmo sistema sem tratar de maneira separada é um péssimo jeito de implementar esse canal. Mesmo que seja a mesma porta de entrada precisa existir uma diferenciação daquilo — num formulário você escolher que está fazendo um pedido de acesso à informação é fundamental.

Eles vão cumprir esses parâmetros básicos se estiver bem claro que você pode escolher fazer um pedido de informação e que aquilo vai ter a contagem de prazo que vai poder direcionar para um órgão específico e que você vai ter uma instância recursal. Até porque a Ouvidoria é uma instância recursal.

Ela não pode ser a porta de entrada inicial de todos os pedidos, ela pode ser só um canal de distribuição para as demais secretarias. Se existe um município que está implementando um "Fale Conosco", mas sem a possibilidade de escolher fazer um pedido de informação e sem contagem de prazo, está equivocado. 

O que falta para que a Lei passe a ser cumprida de forma plena? A população, na sua avaliação, ainda precisa se apropriar melhor dessa ferramenta? 

A lei já traz um dispositivo de responsabilização. No caso de descumprimento, as autoridades têm que ser responsabilizadas. Inclusive, pode acarretar num processo de improbidade administrativa, de afastamento. O que precisa melhorar é a aplicação efetiva desse dispositivo. Passar a ter mais precedentes de gestores que foram afastados ou responsabilizados com base nesse dispositivo. O Ministério Público deveria assumir um papel mais ativo de monitorar, fiscalizar e apresentar denúncias nesse sentido, e também a gente precisa de mais envolvimento na sociedade para esse monitoramento.