Impasses entre Planalto e governadores travam auxílio a estados

Projeto de socorro aos entes federativos foi aprovado há 12 dias, mas questões como o congelamento de salários de servidores e as regras de isolamento social atrasam a sanção. Bolsonaro se reúne com governadores na quinta (21)

São mais de 60 dias do pedido de socorro feito por estados e exatos 12 dias desde a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei complementar que prevê um suporte financeiro de R$ 125 bilhões aos entes federativos. Contudo, até agora, ainda não há nenhuma previsão de quando o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) deve sancionar a lei e transferir os recursos para estados e municípios. Entre os fatores que têm travado a assinatura do presidente estão a falta de acordo sobre o congelamento salarial de servidores e o embate com governadores sobre o isolamento social.

O desfecho deste impasse pode ocorrer em reunião virtual marcada para esta quinta-feira (21) entre o presidente e os governantes dos 27 estados e do Distrito Federal. Desde o início da pandemia de Covid-19, Bolsonaro não se reuniu com todos os governadores, apenas individualmente, em grupos ou por região. Também devem participar da videoconferência os presidentes dos outros dois Poderes: Rodrigo Maia (DEM-RJ), da Câmara dos Depurados, Davi Alcolumbre (DEM-AP), do Senado, e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A tentativa de reabrir um canal de diálogo, prejudicado pelas críticas de Bolsonaro aos governadores, foi de Maia em reunião com o presidente na última quinta-feira (14). O objetivo é encontrar um consenso sobre os dois pontos que têm travado a sanção presidencial ao projeto de auxílio.

 

Busca de acordo

Inicialmente, o texto previa como contrapartida para a ajuda o congelamento de salários de servidores municipais, estaduais e federais até o final de 2021. Mas, em articulação chancelada por Bolsonaro, líderes governistas se uniram a parlamentares da oposição e do Centrão para afrouxar a regra. Profissionais da segurança e da educação entraram na lista de exceções, que inicialmente contava apenas com servidores que trabalhassem no enfrentamento à Covid-19.

Com essa medida, a previsão de economia foi reduzida de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões. O ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu, então, ao presidente que vete todo o trecho que trata das exceções. Apesar de ter dito que atenderia ao pedido, Bolsonaro pretende, agora, conversar com os governadores antes de efetivar o veto.

A conversa com governadores será para conseguir um compromisso de que eles não façam estes reajustes nem pressionem parlamentares a derrubar o veto. O congelamento dos salários do funcionalismo público é citado como um dos principais entraves, porque o Governo ainda não conseguiu construir um acordo para que o Congresso não derrube possível veto.

Por conta disso, o Planalto também tem tentado ganhar tempo para pensar alternativas para as exceções. A equipe econômica estaria fazendo cálculos para tentar encontrar algum meio termo que agrade aos congressistas e permita a sustentação de um eventual veto presidencial.

Demora

Enquanto isso, parlamentares cearenses criticam a demora na sanção. "É muito ruim essa demora, porque os estados e municípios já estão sofrendo com a falta de arrecadação", afirma Eduardo Bismarck (PDT). Segundo ele, ainda não há nenhuma resposta oficial do Governo sobre a questão, mas a pressão para a sanção deve aumentar nesta semana.

Por enquanto, a bancada cearense ainda não se articulou para cobrar do Palácio do Planalto a liberação dos recursos. Indagado sobre a questão, o líder da bancada cearense no Congresso, deputado Domingos Neto (PSD), se limitou a dizer, por meio da assessoria de imprensa, "que isso é com o Governo".

Líder da Oposição na Câmara, André Figueiredo (PDT) afirma que "o diálogo com o Governo não existe" e, por conta disso, será necessário esperar que Bolsonaro "tenha o mínimo de bom senso e ajude os entes federados". O prazo limite para sanção presidencial é o dia 27 de maio.

"Bolsonaro tem duas opções: ou ele sanciona ou o Congresso promulga. Eu tenho clareza de que ele quer constranger governadores e prefeitos porque estes não aderem à sua tese irresponsável (de fim do isolamentol)", ressalta.

José Guimarães (PT), líder da Minoria na Câmara, concorda que a demora é uma tentativa de continuar o embate com governadores. "Ele quer sufocar os estados e prejudicar a população mais pobre. Minha sugestão é que os governadores entrem na Justiça para que o presidente seja obrigado a liberar os recursos do projeto que nós aprovamos", afirma.

Embate

A divergência quanto ao isolamento social como ponto de entrave para a sanção presidencial também é apontada por Heitor Freire (PSL), deputado cearense alinhado ao Governo Federal. "Estados e municípios não fazem concessões em suas decisões de arrastar o isolamento social. Não é assim que funciona. (...) Eles não apresentam alternativas de mudanças, e esperam que a solução caia do céu ou venha da União, sendo que eles não fazem sua parte", rebate o parlamentar.

A reunião agendada para esta semana tem como objetivo iniciar a negociação sobre a abertura gradual da economia a partir do mês de junho. Tal abertura não seria linear, começando nos municípios menos atingidos com normas sanitárias definidas. Nos bastidores, ventila-se a possibilidade de o presidente utilizar o pacote de socorro aos estados como moeda de troca para montar ação coordenada com os governadores.

Ceará

O secretário do Planejamento do Estado, Flávio Jucá, se preocupa com o atraso dos repasses diretos. Ele explica que o montante que deve ser destinado ao Ceará não será o esperado inicialmente, mas que, sem ele, o Estado tem que "administrar recursos na unha". Entre medidas adotadas para manter o equilíbrio fiscal, está a diminuição de contratos administrativos e de gastos não essenciais.

Segundo o secretário, porém, os recursos são necessários e, independentemente de quando cheguem, "já estão atrasados". Isto porque a arrecadação do Estado começou a diminuir antes mesmo da pandemia, com a crise de segurança em fevereiro. "Vamos manter as contas equilibradas, mas quando recebermos esse recurso ainda não será suficiente para evitar que a gente faça cortes", explica Jucá.