No mesmo dia em que Ciro Gomes (PDT), mais uma vez, direcionou a artilharia contra o petismo do ex-presidente Lula, o relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, anulou todas as sentenças no âmbito da Justiça de Curitiba que envolvia o petista. Poucas horas antes do anúncio da decisão, Ciro dava entrevista ao portal UOL e confirmava o discurso de oposição à esquerda lulista.
Para especialistas, a postura pode dificultar um acordo entre as esquerdas para 2022 e ter impactos sobre projetos políticos no Ceará, inclusive envolvendo o governador Camilo Santana (PT).
"Quem é o mais importante líder do campo progressista brasileiro? O Lula. Tenho humildade de reconhecer. O Lula nunca aceitou essa conversa. Quando nós entabulamos essa conversa, até o Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente) veio, e o Lula simplesmente censurou o manifesto, que o mundo inteiro assinou, inclusive eleitores tradicionais dele. O Lula esculhambou, dizendo que não era Maria vai com as outras. O Lula só pensa em si. Depois de se pensar no PT, o Brasil vem em décimo quinto lugar", declarou.
Ainda nesta segunda-feira (8), Lula rebateu as críticas do ex-aliado. "Não tenho problema com Ciro Gomes. Gosto dele de graça, como disse outras vezes. Mas ele está equivocado e precisa compreender. Ele resolveu engrossar o discurso antipetista achando que vai ganhar votos da direita. Não vai. Isso que é grave", disse o ex-presidente.
A troca de farpas desta segunda-feira é mais um episódio que se repete desde as eleições de 2018, quando o cearense decidiu fazer frente ao PT na disputa eleitoral como principal arma discursiva.
Na época até Cid Gomes, irmão de Ciro, endossou o discurso contra o grupo que integrou na época dos governos Lula e Dilma. "Quem criou o Bolsonaro foram essas figuras que acham que são donos da verdade, que acham que os fins justificam os meios. Que Lula o quê? O Lula está preso, babaca! E vai fazer o quê? Babaca! Isso é o PT e o PT desse jeito merece perder", disse o ex-governador em um ato eleitoral na disputa de 2018.
Estratégias sob avaliação
Caso seja confirmado o retorno de Lula ao palco eleitoral do ano que vem, a estrada até o Palácio do Planalto ficará cada vez mais difícil para o cearense, segundo o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, Rodrigo Prando.
Prando avalia como acertada a estratégia adotada por Ciro nos últimos anos, a de se afastar da esquerda petista e tentar ganhar notoriedade com o eleitor de centro e centro-direita.
"Ciro quer trazer para a candidatura dele a esquerda, mas também dizer que ele se distancia do Lula e acena para as forças do centro. Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara dos Deputados) não esconde o seu apreço pelo Ciro Gomes".
No entanto, com o ex-presidente de volta à disputa, Ciro precisaria, segundo o pesquisador, mudar a estratégia pela força eleitoral que deverá se concentrar em Lula daqui pra frente. A possibilidade é que o eleitor simpático ao Lula e que consideraria apoiar Ciro volte a dar força ao ex-presidente após decisão monocrática da Suprema Corte.
Impactos para Camilo Santana
O futuro político do governador Camilo Santana (PT) também entra no rol dos assuntos que deverão entrar na mesa de diálogo até o ano que vem. Ventila-se nos bastidores a possibilidade de Camilo ser um nome à disputa do Senado.
Socióloga da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares, avalia que a situação do governador cearense não é das mais confortáveis, tendo em vista, segundo ela, que "Lula sendo candidato, é muito difícil que um candidato a senador pelo Ceará não apoie o Lula".
Logo após a decisão de Fachin, o governador do Ceará comemorou a decisão e disse que a Justiça brasileira "repara um erro grave e histórico".
Decisão do ministro Edson Fachin, do STF, sobre o ex-presidente Lula, repara um erro grave e histórico. Ninguém deve estar acima da lei. Ninguém! Nem julgados, nem julgadores. Sempre defenderei as leis e a Justiça. Mas, jamais, a utilização das mesmas para perseguir e prejudicar.
— Camilo Santana (@CamiloSantanaCE) March 8, 2021
Para Monalisa, o discurso adotado pelo chefe do Executivo cearense reforça a tese de que entrar em conflito com o líder do PT não é uma postura adequada por ser correligionário de Camilo, mas também por ainda ser uma liderança nacional.
A pesquisadora citou levantamento feito pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) desta semana quando apontou Lula como sendo o candidato com maior pontencial de votos para 2022.
Camilo, embora aliado de Ciro, sempre adotou tom de aproximação e conciliação com o ex-presidente. "Isso sempre ficou muito claro, que Camilo não deixaria nenhum mal estar", diz Soares.