Os deputados estaduais cearenses aprovaram, em sua maioria, uma emenda que retira das mãos dos conselheiros substitutos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) processos com valores acima de R$ 150 milhões. A mudança, aprovada na última segunda (17), coloca a apreciação das contas do Governo e das secretarias estaduais, por exemplo, na responsabilidade apenas de conselheiros titulares - que têm cinco dos sete nomes indicados por políticos, como governador do Estado e parlamentares. A matéria vai para sanção do governador Camilo Santana (PT).
A autoria da emenda, que passou na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Casa, entretanto, ainda é um mistério. O presidente da comissão, deputado estadual Sérgio Aguiar (PDT), afirmou que "há uma grande possibilidade de (a matéria) ser de um conjunto de deputados". No documento, encaminhado pelo Departamento Legislativo, não há informação sobre a autoria do texto.
O deputado Elmano de Freitas (PT), que relatou a matéria na comissão, foi procurado na quinta e sexta (21) por meio de ligações e no gabinete do mandato na Assembleia para comentar o assunto, mas também não retornou às tentativas de contato.
Surpresa
"Fomos pegos de surpresa", disse o conselheiro substituto Itacir Todero. "Diria que, por ora, não seríamos prejudicados, mas sim o TCE, a sociedade. Tendo 12 julgadores mais o presidente, o TCE não consegue dar vazão à demanda. Imagine que nos processos principais serão distribuídos somente para os conselheiros efetivos. Tenderemos a ter uma produtividade menor", reclamou. Os substitutos ficariam, ainda, fora das decisões do pleno, e apenascom pareceres de matérias das câmaras do Tribunal, os de menor relevância.
A decisão dos deputados, de acordo com o conselheiro, é inconstitucional. Todero lembrou que há jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) de caso semelhante em Santa Catarina. A Assembleia teria, nesse caso, que apenas emendar texto já proposto no Anteprojeto da Lei Orgânica do Tribunal, feito e enviado em março deste ano pelo Tribunal, e não criar medidas não propostas pela Corte de Contas.
Procurado, o presidente do Tribunal de Contas, conselheiro Edilberto Pontes, afirmou que a mensagem original não tratou do assunto. As sugestões, segundo ele, foram apenas para alinhar os julgamentos de processos antes pertencentes ao extinto Tribunal de Contas dos Municípios.
Sanção
"Não tratava disso. A lei orgânica do TCE atende às necessidades do TCE. A gente enviou (à Assembleia) porque a lei orgânica não tratava de municípios. Só tratamos desse ponto. Não tratamos sobre conselheiros. O Tribunal sempre prestigiou os substitutos", esclareceu Pontes.
O governador Camilo Santana (PT) ainda poderá vetar parte do texto aprovado pelos parlamentares. Ainda não há previsão de quando o petista irá sancionar o texto. À reportagem, o presidente do Tribunal disse não ter conversado ainda com o governador para tratar do assunto.
O conselheiro substituto Itacir Todero adiantou que a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon) e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) estudam protocolar no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para suspender os efeitos do que decidiram os deputados estaduais.
Polêmicas
Outros pontos polêmicos foram aprovados pelos parlamentares da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Um deles é a possibilidade de a Casa rever medidas cautelares tomadas pela Corte de Contas, além de recorrer às terceirizações, inclusive para contratar auditorias. No primeiro caso, os deputados recebem o direito de rever as decisões cautelares, que são as que visam a prevenção da lesão ao erário e/ou garantir a efetividade das decisões. Sob o argumento de que não estaria atuando sobre "o controle do resultado de julgamento de contas e gestão", o autor da matéria, deputado Audic Mota (PSB), conseguiu aprovar o texto com facilidade: 29 votos a 4.
O deputado estadual Renato Roseno também lamentou a derrota da oposição no texto que prevê a possibilidade de terceirização de serviços pelo Tribunal de Contas. A matéria causa um desconforto também entre os auditores da Corte que são concursados para exercer a função.
Os parlamentares aprovaram, ainda, a previsão de prescrição de processos que não foram julgados em um período de cinco anos.
O texto, no entanto, estava previsto no Anteprojeto da Lei Orgânica encaminhado pelo TCE ainda em março deste ano. O assunto é polêmico, tendo em vista que diversos gestores municipais e de pastas estaduais com contas irregulares estão livres para se candidatar.
A Lei da Ficha Limpa proíbe que gestores públicos com contas reprovadas participem das eleições.
Veto
Integrantes do Tribunal de Contas do Estado (TCE) esperam que o governador Camilo Santana (PT) vete pelo menos o texto da emenda de autoria do deputado estadual Audic Mota (PSB) sobre a possibilidade de recurso em decisões cautelares da Corte.
Um membro titular do Conselho disse à reportagem que há uma "expectativa" generalizada que o governador retire o texto da nova Lei Orgânica do Tribunal. A matéria é vista internamente como uma afronta aos conselheiros que perderiam poder de atuação no exercício das funções.
Em caso de manutenção da emenda pode gerar incômodo entre o Palácio da Abolição e o órgão fiscalizador.
A Corte que não tem a prerrogativa de aprovar contas, mas apenas de dar parecer prévio, perderia ainda o poder de deliberações em relação a sanções envolvendo processos de gestores.
"Quando a gente der uma cautelar, se o gestor não gostar ele pode ir à Assembleia e entrar com recurso. Tem uma expectativa dele (governador) vetar a cautelar", disse a fonte.
Os conselheiros ainda estudam o texto da redação final aprovada pela Assembleia Legislativa. A Casa demorou nove meses para aprovar o material final para o funcionamento do TCE.