Após três semanas de divergências públicas com o presidente Jair Bolsonaro sobre como enfrentar a escalada de contágios e de mortes pelo novo coronavírus no País, o médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta foi demitido, ontem, do comando do Ministério da Saúde. Ele será substituído pelo oncologista Nelson Teich. A mudança, que motivou críticas ao Governo e novos panelaços nas principais capitais, abre caminho para a adoção de medidas defendidas pelo presidente, como a reabertura das atividades econômicas, a fim de amortecer a onda de demissões e o cenário recessivo na economia.
O novo ministro da Saúde destacou que existe um "alinhamento completo" entre ele e Bolsonaro, assim como com a equipe da Pasta. Bolsonaro e Teich fizeram um pronunciamento no Palácio do Planalto após o anúncio da exoneração de Mandetta.
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"Deixar claro que existe um alinhamento completo entre mim e o presidente e todo o grupo do ministério", disse o novo ministro. Teich afirmou que não fará nenhuma mudança "brusca" ao assumir a Pasta e defendeu que é preciso ter mais informações sobre as ações que estão sendo tomadas no combate ao novo coronavírus.
Teich também afirmou que não faz sentido colocar "saúde" e "economia" como questões opostas.
"Isso é muito ruim. Na verdade, essas coisas não competem entre si. Elas são complementares. Quando polariza, começa a tratar pessoas versus dinheiro, bem versus mal, emprego versus pessoas doentes", pontuou.
Empresário do setor (ele é sócio da Teich Health Care, uma consultoria de serviços médicos), o médico oncologista, natural do Rio de Janeiro, chegou a atuar como consultor informal na campanha eleitoral de Bolsonaro, em 2018, e foi assessor no próprio Ministério da Saúde, entre setembro de 2019 e janeiro deste ano. Ele é formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com especialização em oncologia no Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Primeira medida
O novo ministro da Saúde chega ao cargo em um momento dramático da pandemia no Brasil. Hoje à tarde, a expectativa era de que o total de mortes pela Covid- 19 superasse a marca de 2.000 vítimas, considerando que o País registra uma média diária que oscila entre a casa de 100 e 200 falecimentos. Já são mais de 30 mil infectados oficiais, embora o número seja bem maior devido à subnotificação.
Para enfrentar o problema, Teich anunciou que uma de suas medidas será ampliar o programa de testes de Covid-19 do Ministério, envolvendo tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) como a saúde complementar.
Outro desafio é o risco crescente de colapso do sistema público de saúde devido ao aumento exponencial de doentes em busca de atendimento.
Repercussão
A mudança no comando do Ministério da Saúde gerou reações entre políticos, representantes da área médica e da sociedade civil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, ambos do mesmo partido de Mandetta, divulgaram nota conjunta elogiando o trabalho do médico à frente da Pasta, classificando-o como "guerreiro".
"O trabalho responsável e dedicado do ministro foi irreparável. A sua saída, para o País como um todo, nesse grave momento, certamente não é positiva e será sentida por todos nós", declararam os comandantes das duas casas do Congresso Nacional.
Partidos e lideranças do Congresso também divulgaram comunicados com avaliações positivas sobre o ex-ministro como o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), a bancada do PSB na Câmara, o primeiro-vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG) e o DEM.
Já deputados da base do Governo, como o líder na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), e o senador Flávio Bolsonaro (PRB-RJ) elogiaram a mudança e deram boas-vindas ao novo ministro.
A Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou nota em apoio a Teich. Já o Conselho Nacional de Saúde, órgão do SUS com a participação de diversos segmentos da sociedade, considerou "irresponsável" a demissão de Mandetta frente ao cenário de agravamento da pandemia. A Oxfam Brasil, organização da sociedade civil, expressou "preocupação" com a substituição.
Na despedida do cargo, Mandetta minimiza saída
Durante despedida do Ministério da Saúde, em que foi recebido com aplausos do servidores, em discurso emocionado, Luiz Henrique Mandetta minimizou sua saída do cargo. "Não vai ser esse o problema (sua demissão), que é insignificante. Isso não tem mais significado que uma defesa intransigente da vida, do SUS (Sistema Único de Saúde) e da ciência. Fiquem nesses três pilares. A ciência é a luz, o iluminismo. É através dela que nós vamos sair. Que essa transição seja suave, profícua e que tenhamos um bom resultado ao término disso tudo".
Ele fez um agradecimento a uma série de colegas, citando, nome a nome, o trabalho desempenhado. Aos funcionários do Ministério da Saúde, deu um recado direto: "Não tenham medo, não façam um milímetro do que acham que não deveriam fazer", afirmou.
Mandetta disse ainda que tem "a mais absoluta certeza" de que ele e sua equipe fizeram um "bom combate". "Vocês sabem que ministros passam, o que fica é o trabalho do servidor do Ministério da Saúde do Brasil", declarou.
Religioso, o ex-ministro disse que vai rezar pelo Brasil para que tudo passe da melhor forma possível. "Ficarei nas minhas orações, em minha devoção inabalável em Nossa Senhora Aparecida".
Ele concluiu a fala dizendo que, no minuto em que encerra a trajetória como ministro, segue "trabalhando o dobro como cidadão". Sobre o rumor de que pode assumir cargo na Secretaria de Saúde de Goiás, ele não confirmou.
Ainda no comando do Ministério, Mandetta se tornou alvo do núcleo ideológico do Governo. Um dossiê foi montado contra o então ministro. A ideia era mostrar que Mandetta cometeu erros na condução do combate ao coronavírus, para que não saísse como "vítima" da crise. A estratégia foi desenhada para desgastar a imagem do agora ex-ministro desde que o confronto entre ele e Bolsonaro aumentou. Para a ala ideológica, a permanência do ministro após a série de atritos com o presidente foi um "tiro no pé", que deve ser debitado na conta dos militares da Esplanada.
Os bolsonaristas compartilharam o dossiê acusando Mandetta de ser lobista de planos de saúde e de ter defendido "a destruição do SUS". Mandetta foi dirigente de uma operadora de saúde entre 2001 e 2004 em Campo Grande (MS). Deixou o posto para assumir a Secretaria de Saúde daquela cidade. Permaneceu no cargo entre 2005 a 2010. O mesmo documento afirma ainda que o município teve de devolver à União R$ 14,8 milhões. Mandetta sempre contestou a acusação e não chegou a virar réu.
Desafios do novo ministro da Saúde
Ampliar testagem
O Brasil terá de aumentar a disponibilidade de testes para detectar o novo coronavírus, a fim de identificar doentes e controlar a doença. A oferta de testes rápidos pode contribuir com essa meta.
Reforçar atendimento
O risco de colapso do SUS é real. O Governo terá de aumentar os gastos com a construção de hospitais de campanha, contratação de profissionais de Saúde e aquisição de equipamentos.
Equipar leitos de UTI
O Brasil enfrenta dificuldades de importar equipamentos como respiradores devido à elevada demanda dos outros países por esses aparelhos, cruciais para salvar vidas de pacientes em estado crítico da doença.
Dialogar com estados
O novo ministro terá de montar uma estratégia de coordenação das ações de combate à pandemia com os secretários estaduais de Saúde, superando rixas políticas que dificultam a união de esforços.
Tato político
Ex-ministros já reclamaram do estilo de governar de Bolsonaro e dos entraves das diversas alas do Governo, da militar à ideológica. Teich terá de conciliar demandas.