A 26 dias das eleições, o Ceará soma 265,5 mil casos confirmados de Covid-19, dos quais 9,2 mil provocaram óbitos. Neste cenário, as aglomerações - que facilitam o contágio - seguem sem solução e ficam mais constantes durante a campanha municipal. De um lado, dirigentes partidários se queixam da falta de medidas efetivas da Justiça Eleitoral para coibir tais atos. De outro, as instituições públicas tentam criar mecanismos para incentivar o cumprimento de medidas sanitárias por parte dos candidatos e dos eleitores. Mas ainda sem sucesso.
Ontem, a Justiça decidiu que, nos municípios de Alto Santo, Icó e Orós, está proibido qualquer tipo de ato de campanha eleitoral que promova aglomeração. Na primeira cidade, a decisão foi da Vara Única da Comarca do município e, caso não seja cumprida, os infratores podem ser punidos com multa de R$ 50 mil por cada evento.
Em Icó e Orós, a Justiça atendeu a um pedido do Ministério Público Eleitoral para que candidatos, partidos e coligações se abstenham de promover atos que gerem aglomerações. As ações de campanha devem ser comunicadas à Justiça Eleitoral e ao Comando da Polícia Militar com até 48 horas de antecedência. Caso haja descumprimento, a multa é de R$ 100 mil por cada ato de campanha.
As ações vêm na esteira das últimas decisões do Governo do Ceará, o qual recomendou mais fiscalização e retomada das medidas de isolamento social nos municípios de Crateús, Icó, Russas, Juazeiro do Norte e Tauá. No fim de semana, o próprio governador Camilo Santana (PT) havia informado sobre o envio de um ofício ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) solicitando providências para prevenir ações em desacordo com as regras sanitárias contra Covid-19 previstas nos decretos estaduais.
"Tenho visto imagens absurdas de desrespeito às normas sanitárias em alguns atos de campanha, o que estaria provocando aumento de casos em alguns municípios", apontou o governador antes de anunciar que o Plano de Retomada Econômica não terá avanços nesta semana. "Isso faz-se necessário justamente por conta dos indicadores que apontam aumento de casos em algumas áreas, embora havendo queda nos números gerais do Estado", informou.
Justiça
O TRE explicou que a recusa dos candidatos a seguir as medidas sanitárias é tratada como "crime de desobediência". Além disso, o corregedor Inácio de Alencar Cortez Neto expediu ofício-circular aos juízes eleitorais do Estado com orientações sobre esses casos.
O documento foi enviado apenas na última sexta-feira (16) e sugere aos magistrados que determinem a adoção de medidas para imediata regularização do ato ou que se utilizem dos meios cabíveis para impedir a continuidade do ato ilícito - em caso de desrespeito às normas previstas. O ofício também aponta a determinação, à autoridade policial, de abertura de procedimento criminal próprio.
Para o juiz auxiliar da Corregedoria Regional Eleitoral, Rommel Moreira Conrado, há relatos de juízes da Capital e do interior que dão conta do descumprimento dos decretos sanitários. Ele avalia que os magistrados devem "chamar os candidatos a sua responsabilidade" nem que, para isso, "intimem pessoalmente para que tomem ciência de que devem seguir as recomendações sanitárias".
O promotor de Justiça Emmanuel Girão, que coordena o Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público do Ceará (MPCE), afirmou que não há previsão na lei para coibir aglomerações. O dispositivo a ser utilizado, segundo ele, seria a capacidade de fazer uso do "poder de polícia" a fim de inibir as irregularidades partidárias.
Emmanuel cita que o MPCE, inicialmente, tentou buscar acordos nas cidades para não provocar aglomerações. Embora haja penalização de quem o quebra e por não terem cessado os descumprimentos, o órgão pediu que a justiça eleitoral adotasse o poder de polícia. "A questão é que o poder de polícia fica a cargo de cada juiz, tem alguns que concederam, outros não", narra o promotor.
Segundo ele, "é plenamente previsível saber quando haverá aglomeração. Estamos lutando para conseguir que se cumpra o decreto, que evite uma nova onda de contaminação. Não queremos interferir em eleição, as medidas são para todos. Agora é uma batalha muito árdua. Não quero generalizar, porque em alguns locais as coisas estão relativamente sob controle, mas outros lugares vão para o confronto, fazer aglomerações".
Partidos
Do outro lado da trincheira, dirigentes partidários aguardam decisões específicas da Justiça Eleitoral a fim de que sejam respeitados legislação e isonomia das candidaturas. O presidente estadual do PDT, André Figueiredo, afirmou que a recomendação de evitar aglomerações está a cargo de cada diretório municipal.
"A recomendação que emitimos é de não ter aglomerações, mas outro candidato vai e faz e aí fica difícil segurar os nossos candidatos. Tem que vir uma recomendação clara e efetiva da justiça", argumenta o pedetista. Para o presidente do MDB, Eunício Oliveira, foram firmados Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), mas isso não é respeitado por outros postulantes.
"É difícil falar sobre isso porque as pessoas se manifestam espontaneamente, mas alguns candidatos não respeitam a pandemia. Nossa orientação é para seguir as regras do TSE e pelas autoridades científicas. E as recomendações baixadas pelo Estado", pontuou o ex-senador.
Já o presidente estadual do PSL, Heitor Freire, disse, em nota, que as coordenações das campanhas do partido "estão seguindo as medidas sanitárias vigentes em seus eventos próprios. Todos os candidatos são orientados a fazer campanha usando máscaras e respeitando o distanciamento social".
A reportagem ainda tentou contato com os dirigentes das legendas PT, PSD, PSDB e PTB, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem. Também foram solicitadas informações da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e da Secretaria da Polícia Militar do Ceará. O Sistema Verdes Mares requereu informações como o número de denúncias de aglomerações causadas por eventos políticos, bem como a quantidade de encerramento desses eventos e das multas aplicadas. Contudo, até o fechamento deste texto, igualmente, não houve posicionamento das pastas.