Editorial: Afirmação das regras

Numa sociedade democrática moderna, é de se esperar que as eleições e os ritos que as antecedem sejam vistos como momentos especiais. Ao término de cada ciclo, mais uma vez, se mobiliza todos aqueles que estão habilitados a votar, para que nas urnas escolham seus representantes. Concretiza-se, assim, de forma direta e inequívoca o ideal democrático, segundo o qual os cidadãos são os responsáveis, por meio do sufrágio, por elegerem os projetos políticos sob os quais querem ver atuar suas instituições de Estado.

Não é demais destacar a importância do cidadão nesse processo. Sua escolha, suas ideias e seus valores formam a matéria de que se faz o sistema de Governo que toma cada pessoa como um indivíduo livre e igualável a seus pares. Assim define o filósofo político italiano Norberto Bobbio (1909 - 2004): "O cidadão, enquanto participante da vontade geral, pode considerar-se soberano e, enquanto governado, é súdito, mas súdito livre, porque obedecendo à lei que ele ajudou a fazer, obedece assim à vontade que é também a sua autêntica vontade, o seu natural desejo de justiça".

A importância do momento, contudo, não o faz excepcional - pelo menos, não no sentido de que, nele, possam vigorar regramentos sociais distintos daqueles que devem ser seguidos em tempos ordinários. Claro, há um ordenamento e interditos que, no período que antecede o pleito e no momento mesmo do sufrágio precisam ser seguidos. Seu objetivo, nesse caso, não é o de conferir uma condição especial a quem quer que seja, mas de garantir paz social e igualdade quando mais se precisa de uma e de outra. Afinal, é preciso temperança para se concretizar o desejo de Justiça, a partir de escolha daqueles que o cidadão considera mais capacitado para ocupar postos nos poderes Executivo e Legislativo.

O que há de excepcional no período eleitoral não pode permitir que se normalize ações e comportamentos inoportunos, infrações e mesmo crimes. Os episódios de violência, por exemplo, durante a campanha e nos dias de votação devem ficar, em definitivo, no passado, como lembrança perene do que deve ser evitado. São incompatíveis como o espírito democrático e republicano, devendo ser repelidos como veemência e repudiados, estejam quem estiverem nas posições de agressor e de vítima.

Em pronunciamento, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alertou para os riscos de dois vírus na temporada eleitoral. O primeiro é o próprio coronavírus, que requer a adoção de medidas de proteção para evitar sua propagação. Desde o período que antecedeu às campanhas eleitorais, viu-se com frequência o desrespeito de protocolos sanitários, como o do distanciamento interpessoal e o correto uso de máscaras. O mesmo se assistiu em parte das campanhas que se iniciaram no fim de semana passado.

O outro "vírus", assim nomeado por analogia à sua capacidade de disseminar-se e causar malefícios, seria o das chamadas fake news. O fenômeno, da forma como é vivenciado, é relativamente novo, mas não de todo distinto de uma velha conhecida da política - a calúnia. Esta, em nova ou velha configuração, é inadmissível, pois nada positivo pode ser construído sobre suas bases. O momento exige não a exceção, mas o exemplo, o compromisso com a ordem.