Uma lição de Graciliano para Arthur Lira

No momento em que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), promove uma fuzarca com dinheiro público para deputados do curral bolsonarista, vale lembrar de um outro alagoano que representava o avesso dessa esculhambação generalizada na República. Pense num homem que zelava pelos recursos do contribuinte. Centavo a centavo, com prestação de contas à luz solar mais nordestina.

Este cidadão brasileiro de responsa se chamava Graciliano Ramos, prefeito de Palmeiras dos Índios entre 1929 e 30. Suas anotações são o contrário de tudo que tem feito Arthur Lira na “sala secreta” do Congresso onde espatifa o orçamento do país com os parlamentares fiéis a Jair Bolsonaro.

Repare como o prefeito denunciava a herança de gestões passadas: "A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.”

Os “Relatórios” de Graciliano, agora disponíveis em livro da editora Record, foram enviados na época ao então governador Álvaro Paes. O objetivo era apenas cumprir uma obrigação burocrática do município, mas de tão bem escritos ajudaram a revelar o alagoano como um novo talento literário.

Ao prestar contas sobre os recursos da cidade, o velho Graça deixou trechos exemplares: "Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam."

No capítulo da educação, valia a extrema sinceridade. "Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros", relatou.

Enxuto nos gastos como seria na sua futura obra-prima “Vidas Secas”, com o prefeito Graciliano não vigorava tramas no escuro como as emendas do Orçamento Secreto. Valia o zelo por cada centavo.

A arrojada fiscalização dos gastos públicos ainda rendeu literatura de primeira, com uma ironia de escrita fina. Para falar da estrada que leva de Palmeiras dos Índios à sua Quebrangulo natal, assentou essa pérola: "Original produto de engenharia tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e lagartixa".

Os políticos brasileiros precisam aprender com o autor de “São Bernardo”. Principalmente o seu conterrâneo que passa como um trator na presidência da Câmara.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.