Round 6 e a vida peba dos devedores brasileiros

De Seul a Iguatu, não se fala de outra coisa. “Round 6”, uma produção sul-coreana, é a série da Netflix mais vista em todo o mundo. Nos jogos mortais do enredo, um grupo de devedores — na situação mais peba que você possa imaginar nesse planeta — arrisca a vida em busca de um prêmio bilionário. Só um jogador sobrevive. Escapa fedendo, para usar a expressão exata do nordestinês.

As provas são lúdicas, com algumas brincadeiras infantis. Uma delas é moleza para qualquer cearense vindo do interior: um jogo de bila, bola de gude em algumas regiões do Brasil. Você pode escolher as modalidades buraco ou triângulo, de acordo com seus recursos técnicos. E nesse cenário, com ares de inocência, a ralé começa a ser eliminada impiedosamente. A maioria já estava à beira do inferno mesmo, sob o domínio da agiotagem oficial e clandestina.

A série do diretor Dong-hyuk Hwang tem uma abordagem meio existencialista. Os mais lascados se perguntam: que diferença faz entre a humilhação aqui dentro e o arrocho que vivemos lá fora? A pergunta, vezes silenciada com mais um tiro à queima roupa, faz muito sentido na trama.

Pode ser apenas um entretenimento da indústria dos seriados, mas os pensadores e cabeçudos de plantão fazem outra leitura daquela carnificina com sangue de videogame. “Round 6 representa um aspecto central do capitalismo em formato extremo”, definiu, em entrevista ao “El País”, o filósofo alemão de origem sul-coreana Byung-Chul Han.

Nessa pegada, não há como esquecer o sufoco dos brasileiros condenados pelos agiotas, bancos e empresas financeiras que enforcam a clientela. A hora é grave. O endividamento, segundo informou nesta semana o Banco Central, nunca foi tão alto — representa 59,9 % da renda média anual das famílias. É de lascar a taboca, é de tirar do ramo qualquer sujeito.

Só os Vips, como os barões mascarados da série, gozam perversamente com a desgraça alheia. Nesse ponto, a carapuça também serve à turma de Paulo Guedes e dos estribados aqui da terra onde cantam os sabiás. Nem precisa ser filósofo moderno para decifrar o esquema. O jogo é explícito e a eliminação dos deserdados é vista a cada esquina, em qualquer semáforo, a morte lenta sem choro e nem vela. Ora pro nobis, misere nobis. Próximo!