O homem que passou a mão na poupança do cidadão, determinando o maior confisco da história do Brasil, não dorme no ponto. A Justiça do Trabalho de Alagoas tentou raspar a conta bancária do ex-presidente Fernando Collor, com o objetivo de cobrir dívidas do grupo de comunicação da família, mas só encontrou uma mixaria de R$ 14,97. Isso aí que você leu mesmo. Um trocado que não compra nem um bolo de feira.
Para evitar que o atual senador driblasse a dívida, na base da esperteza, a juíza Natália Azevedo Sena ordenou que fosse feita uma busca pela grana nas contas da família. Daí encontrou R$ 455 mil em nome de Caroline Collor, sua esposa. O dinheiro será destinado a saldar a bronca jurídica em Maceió.
Este senhor que agora esconde a fortuna para não pagar dívidas trabalhistas do grupo Gazeta de Alagoas é o mesmo, pasme, que não teve a menor piedade no momento em que decretou a maldita medida econômica durante o começo do seu governo, em março de 1990. Capítulo das bizarrices brasileiras, senhoras e senhores. Bom momento para a gente tomar uma dose de “memoriol” e não deixar morrer esse acontecimento.
Tem gente que não acredita até hoje que a medida possa ter sido verdadeira, tem gente que perdeu parentes — por depressão e suicídio —, tem gente que virou sem-teto, tem gente que foi obrigada a começar do zero.
Por mais absurdo e incrível que pareça, um dia depois da posse, em 16 de março de 1990, o presidente decretou o confisco da poupança dos brasileiros, em um pacote chamado orgulhosamente de Plano Collor. O anúncio foi feito pela ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, em uma das coletivas de imprensa mais chocantes da história do país — os jornalistas não compreendiam o que estava ocorrendo e quanto mais as autoridades “explicavam” mais ficava confuso.
Cada pessoa ou empresa poderiam ficar apenas com 50 mil cruzeiros. O resto foi sequestrado em poder do Banco Central. Em 2022, 32 anos depois, ainda tem gente que tenta receber de volta aquela grana, conforme relatos dos jornais. O objetivo de toda a lambança econômica seria conter a inflação, na casa de 84% ao mês.
Em outubro de 1992, Collor renunciou ao cargo, depois que o Congresso concluiu o seu processo de impeachment. O presidente que havia sido eleito com a bandeira do moralismo e da ética foi derrubado por fazer parte de um esquema de corrupção sob o comando do empresário Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da sua campanha eleitoral. A inflação àquela altura ultrapassava a faixa dos mil por cento ao ano.
Trinta anos depois do trágico confisco, em maio de 2020, o senador alagoano pediu desculpas em uma postagem no Twitter: “Acreditei que aquelas medidas radicais eram o caminho certo. Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio dos ativos”. O pedido virou meme para uns e revolta para a maioria das pessoas nas redes sociais.
Um mês depois das desculpas, Collor jogou fora as sandálias da humildade e fez piadinha com o tema em uma nova postagem: “Voltei, pessoal! Ainda bem que não foi confisco, foi um bloqueio temporário!”. O político havia sido bloqueado temporariamente pela direção do Twitter no Brasil. Com o trocadilho, tentou negar mais uma vez que o seu governo tenha confiscado recursos das pessoas.
O que não falta nesse caso do confisco é anedota. Com juras de amor, a ex-ministra Zélia, ainda naquele tenebroso começo dos anos 1990, foi casada com Chico Anysio, o mais importante comediante do país. Ainda não vivíamos os tempos dos “memes” e das redes sociais, mas a chacota correu de boca em boca em todo Brasil: “Pela primeira vez na história, o humorista casou com a piada”.
Zélia ´Caridosa´ de Mello era, até poucos meses antes do casamento, personagem caricato da Escolinha do Professor Raimundo, programa de Chico na TV Globo. “Não posso considerar a Zélia uma piada. Embora não seja uma economista maravilhosa, ela soube escolher como ninguém seus assessores”, disse o humorista à revista “Veja”, em julho de 2011, oito meses antes da sua morte. Para a ex-ministra, o comediante reconheceu que havia errado e a convidou para o mesmo programa, depois que ela deixou o cargo no Ministério.
Além do desastre econômico do Plano Collor, a ex-ministra teve a sua vida privada exposta como nenhuma outra autoridade da República até aquela data. Ela mesma colaborou com alguns capítulos a mais nessa exploração midiática ao revelar bastidores do poder e os seus segredos amorosos no livro “Zélia, uma Paixão”, publicado pelo escritor Fernando Sabido em 1991. O episódio mais famoso é o do relacionamento com o ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral, seu colega de equipe de governo, um romance que começou ao som do bolero “Besame mucho”, em uma festa na corte brasiliense. O povão, porém, não guarda nenhuma recordação romântica dessa fase da história.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.