O que o presidente precisa aprender com Patativa e Luiz Gonzaga

O presidente Bolsonaro é do tipo sincerão que não perde a viagem em matéria de preconceito. Deve achar bonito pisar na casa dos outros e tratar os anfitriões como paus de arara, cabeçudos e aratacas — para ficar apenas nos escárnios mais recentes da sua visita aos sertões de Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande do Norte.

Há quem siga normalizando todas as infâmias que saem da boca do homem. Uma pequena claque vê até como piada, pilhéria, gracejo etc. Sou da terra do humor e não vejo nada de engraçado nisso. Prefiro não me acostumar com essa fala que repete uma surrada maneira de diminuir ou folclorizar, no pior estilo, o povo do Nordeste.

"Eu sempre me referi com os amigos, né, cabra-da-peste, pau de arara. Me chamam de alemão também, sem problema nenhum. Arataca, cabeçudo, pô", disse o veterano político em Salgueiro (PE). A novidade é o uso desse “arataca” no seu discurso. Trata-se de uma armadilha para pegar pequenos animais silvestres. É também uma velha denominação depreciativa para os brasileiros nascidos nos estados do Norte, não do Nordeste.

Muito além do desconhecimento geográfico (o padre Cícero teria nascido em Pernambuco e não mais no Ceará), Bolsonaro demonstra falta de consideração com os nordestinos. Ninguém merece essa piadinha permanente, argh, vôte, vade-retro. Nesse ramo humorístico, o gênio Chico Anysio nos deixou um vasto repertório, sem falar nos milhares de talentos contemporâneos de Fortaleza.

Não custa, vossa excelência, como autoridade de todas as regiões e de todos os brasileiros, ter mais respeito com os nordestinos. Não é com “jeguiata", caso do evento exótico promovido pela caravana presidencial na cidade de Jardim de Piranhas (RN), que a grosseria será compensada.

Sim, é importante dar continuidade a obras como os ramais da transposição das águas do rio São Francisco, uma das marcas do governo Lula na região. Os habitantes do semiárido julgam como uma necessidade. Não carece, porém, a cada palanque repetir essa ladainha depreciativa. Não foi por turismo que o retirante pegou o caminhão pau de arara rumo a São Paulo. Escute “A triste partida”, de Patativa do Assaré e Luiz Gonzaga, talvez haja muito a aprender sobre a história dessa gente.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.