Com o fim do recesso parlamentar, a grande expectativa no mundo político de Brasília é uma só: saber o tamanho da vantagem que o Centrão, sob o comando de Arthur Lira (PP-AL), vai levar em uma possível reforma ministerial no governo Lula. Falou Centrão, falou vantagem, para dizer o mínimo sobre o apetite descomunal dessa turma.
O Centrão não tem problema de fastio. O grupo de deputados, justiça seja feita, não inventou a esperteza — a esperteza de milhões de brasileiros é que forjou o espírito do Centrão. A mesma picaretagem, diga-se, do ex-presidente que se vale da boa fé dos seus fanáticos seguidores e pede PIX para pagar multas eleitorais e pendências jurídicas. Em vez de saldar as dívidas, aplica a vaquinha em um fundo de investimento e tira uma Mega-Sena à custa dos patriotas. É o besta!
Sociologia de botequim à parte, o retorno dos parlamentares ao serviço e à malandragem de Bolsonaro nos dão uma chance e tanto para relembrar a origem e o vigor de uma lei especial do Brasil, a extraordinária Lei de Gérson. Tão ímpar que nem precisou ser registrada oficialmente na Constituição ou nos códigos civil e penal. Existe apenas na informalidade, mas vale mais que as cláusulas pétreas.
Em campo, o jogador de futebol Gérson foi considerado o cérebro da Seleção Brasileira tricampeã do mundo de 1970. Combativo, leal e capaz de dribles e lançamentos espetaculares, o meio-campista nunca usou de artimanhas ou malandragens para passar a perna nos adversários ou ludibriar os colegas de equipe. Sempre foi um exemplo de ética.
Por causa de um anúncio publicitário, porém, seu nome virou batismo da lei que nem está no papel, mas representa tudo que nós entendemos como “jeitinho brasileiro”. A “Lei de Gérson” surgiu em 1976, depois da campanha da agência Caio Domingues & Associados para a marca Vila Rica.
No comercial de televisão, o craque exaltava as qualidades do produto: "É gostoso, suave e não irrita a garganta. Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo que eu quero de um bom cigarro?" Até aí, tudo bem. O que pegou mesmo foi a mensagem final, quando ele, com um sorriso maroto, olha para a câmera e diz: "Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!”
Em poucos dias de exibição, os brasileiros repetiam aquele slogan em várias situações do cotidiano, sempre no sentido de tirar proveito — assim a lei informal é mantida até agora. O atleta já havia se aposentado quando gravou a propaganda. Foi escolhido por ser realmente um fumante de prestígio. O torcedor estava habituado a vê-lo com cigarro em fotos antes das partidas e até em intervalos de jogos.
O “Canhotinha de Ouro” jamais pensou que a sua atuação fora de campo pudesse render tanto bafo. “Eu fiz uma propaganda, fui um artista ali, como tantos outros. A ideia foi essa, a de levar vantagem em tudo porque esse cigarro era mais barato que os outros. Todo cigarro é igual, não é? Mas esse aqui é melhor porque é mais barato”, disse ao site do Globo Esporte, em 2016. “Aí eles pegaram essa vantagem como se fosse pernada nos outros, passar os outros para trás. É a lei do Gérson. Lei do cacete, porra. Não tenho nada com isso aí.”
O desabafo de Gérson é mais do que justo. Impossível, porém, não recorrer à poderosa lei em uma semana em que o Centrão vai partir para cima dos cargos do governo como uma raposa ataca um galinheiro. Com todo perdão às inocentes raposas das fábulas infantis.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.