Os ataques constantes ao padre Júlio Lancellotti, agora na mira de uma CPI da extrema-direita anticristã de São Paulo, nos levam, em uma viagem da memória, a um cearense universal chamado dom Hélder Câmara (1909-1999), arcebispo emérito de Olinda e Recife. Do mundo de ações sociais de dom Hélder, é um pulo histórico para outro filho do Ceará, o padre Ibiapina (1806-1883), o filho de Sobral que virou o Apóstolo do Nordeste.
Com o padre Júlio nas ruas do centrão de SP de 2024, dom Hélder nas periferias brasileiras até os anos 1990 e Ibiapina nos sertões das secas brabas no século XIX, temos ações sociais e cristãs de uma Igreja Católica capaz de amparar os desvalidos, “os feios, sujos e malvados” — como no título de um filmaço de Ettore Scola, de 1976.
“Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista”, dizia dom Hélder, rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso, ordenado padre no Seminário da Prainha de São José, em Fortaleza.
Deixo o eco da frase do arcebispo cearense vibrando no oco do mundo e no juízo dos incrédulos. Hora de rebobinar a fita para não deixar morrer a memória do Apóstolo do Nordeste. O padre Ibiapina foi professor, advogado de sucesso, deputado federal, chefe de polícia e juiz de direito. Aos 47 anos, larga tudo isso para abrir casas de caridade nas regiões mais castigadas pela fome no Brasil do semiárido.
Era um sertão da cólera e outras pestes. Era o sertão da seca mais cruel de todos os tempos, a de 1877. O sertão desamparado sem a mínima proteção social ou ações de governo. Ibiapina acolhia os famintos e doentes. Sem qualquer julgamento.
Um santuário em Solânea, no brejo paraibano, guarda parte dessa história até hoje. Foi lá que o padre de Sobral terminou os seus dias. Os sertanejos lembram, nas orações e romarias, o que o apóstolo realizou pelos seus ancestrais.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.