Publicar em pleno Carnaval é como repetir uma manchete que entrou para o folclore jornalístico: “Tô ligado que ninguém vai ler mesmo”. A pérola estampou quase toda a primeira página do tabloide “Aqui PE”, na véspera da folia de 2017, conforme lembrou nas redes sociais o jornalista pernambucano Raphael Guerra — o colega é do ramo e sabe tudo sobre essa invisibilidade momesca.
Quem lê tanta notícia? Nesse período, respondo sem medo de erro: ninguém. A pergunta original de Caetano Veloso é do manifesto “Alegria, Alegria”, de 1967, tempos brabos de Ditadura e censura, daí a sua interrogação musical irônica. Quem lê no momento essa crônica? Nem minha mãe, freguesa fiel lá de Juazeiro do Norte — está perdoada, dona Maria do Socorro.
Nem mesmo a polêmica mais apelativa conta com leitura nesse momento de farra. Ainda mais nesse Carnaval do exorcismo pós-Bolsonaro. Nada mais justo do que não encontrar suas retinas do outro lado da tela. Se o cronista tem um momento de solidão absoluta, é nessa hora.
Só nos resta cantarolar, no batuque das cinzas, outra música das antigas, aquela do Marcos Valle e Ruy Guerra, safra 1968: “No Bloco do eu sozinho/ Sou faz tudo e não sou nada/ Sou o samba e a folia de fantasia cansada".
Nessa era em que todo mundo é o jornal e a tv de si mesmo, todo mundo transmitindo a sua ala no bloco simultaneamente, o melhor é curtir o “Luxo da Aldeia”, em algum recanto de Fortaleza, e deixar o leitor em paz na sua fuzarca predileta.
Antes, porém, um pouco de história sobre a temporada carnavalesca e o jornalismo. O Bloco do Eu Sozinho é fato, existiu muito antes da citada música de Marcos Valle e de outra homônima de Los Hermanos (2001). A agremiação de um homem só foi fundada pelo repórter carioca Julio Silva, na década de 1920, e desfilou nas ruas do Rio até a morte do seu único folião, em 1979.
Repara só no pedido de licença oficial do colega: "Eu, Julio Silva, repórter da Gazeta de Notícias, residente na Rua Prefeito Serzedelo nº 240, casa 4, vem requerer a V.S. licença para sair à rua com o Bloco do Eu Sozinho, composto unicamente pelo peticionista. Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1925.”
Somos todos Julios Silvas nesse momento em que escrevemos solitariamente. Bom Carnaval, se tiver alguma alma aí do outro lado. Até a próxima.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.