Pintar de novo para chamar de moderno

Confira coluna desta terça-feira (29) do comentarista Wilton Bezerra

Não é somente o futebol que está sujeito a falsificações.

Em outros campos da arte, os falsários deitam, rolam e fazem disso profissão.

Volto a abordar o tema e faço questão de enfatizar que não se trata de falsificação propriamente dita.

Falo das rebobinações táticas das quais é mestre Guardiola, o mais revolucionário dos treinadores dos últimos tempos.

Direto ao assunto: não sei porque escalar três zagueiros no miolo defensivo soa como coisa nova no futebol brasileiro.

Em primeiro lugar, pelo fato de ter marcado dois sistemas de jogo: um antigo (WM) e outro mais recente, o 3-5-2.

Vou mais além, à guisa de esclarecimento: o “cabeça de área” dos sistemas 4-2-2, 4-3-3 e quejandos já era um terceiro zagueiro.

Quem duvidar basta fazer algumas escavações para descobrir.

Posicionava-se, dependendo do combinado, na frente da zaga, para o primeiro combate ou na sobra como líbero.

Hoje, o primeiro volante (dito de contenção) se constitui até mesmo num quinto zagueiro, com a formação dos cinturões defensivos.

Outra coisa: pela preocupação de parecerem autorais, os novos orientadores costumam “inventar”, colocando as coisas pelo avesso.

Ou pintar de novo para chamar de moderno.

Não há mal nenhum em obedecer ao óbvio: escalar o jogador em sua posição de origem e evitar embaraços ao esquema.

“Tirar de onde não pode e colocar onde não cabe” é para poetas da envergadura de Pinto do Monteiro, a “serpente do repente”.

Deslocamentos, simulações, variações táticas e trocas momentâneas de lado não são sustadas por isso.

Com a mídia esportiva brasileira (ainda bem, há exceções), a vitória transforma o treinador em gênio.

Na derrota, é capaz de sugerir o uso de uma cangalha.

Mário Sérgio, ex-jogador e comentarista de TV, quando treinou o Ceará, por um pequeno período, agiu como se tivesse pisado em terra de aborígenes.

Mesmo entendendo do assunto, Mário fez uma série de modificações. Deslocou jogadores, imaginando um esquema para “impressionar” os nativos.

Quebrou a cara: ao tentar fazer um papagaio, acabou produzindo um urubu.