Era um dia comum quando o celular tocou. Ele toca o tempo todo, querem oferecer cartão de crédito, novo plano de internet, de celular, de saúde, de assistência funerária. Tenho piedade do pessoal do telemarketing e antes eu atendia a todos. Ouvia a proposta, dizia educadamente que não estava interessada, mas eles sabem insistir, são treinados pra guerra.
Parei de atender depois do dia em que uma vendedora do seguro não teve piedade de mim e começou a dizer porque eu precisava assinar a apólice, o quanto a vida é frágil, quantas pessoas morrem inesperadamente no mundo, o quanto os órfãos sofrem pela falta de planejamento dos pais e eu achei violenta essa abordagem, isso não se faz com um coração de mãe. Eu disse isso a ela, acho que fiz a moça chorar, também tenho meus recursos dramáticos de retórica. Para evitar outros eventos dessa ordem, parei de atender qualquer chamada não identificada e isso devolveu-me a paz. Até aquele dia.
Quando vi o nome de quem estava ligando fiquei assustada: era eu mesma. Meu nome, meu número, Socorro Acioli ligando para mim. O primeiro telefonema apareceu quando eu estava sonolenta, coisa de cinco horas da manhã. Achei que era um sonho. Depois, a tal Socorro insistiu perto das sete. E às oito, também. Ela não parou, ligou de hora em hora o dia inteiro e, a cada tentativa, eu pensava em uma nova possibilidade. Por que essa mulher quer tanto falar comigo?
Tenho uma prima que se chama Maria do Socorro Acioli, outra que se chama Socorro Aciole, elas moram na Paraíba, seria outro prefixo, não era nenhuma delas. Fui me olhar no espelho com o telefone na mão e tive um pensamento aterrorizante: poderia ser um clone. Agora eram duas de mim: uma queria falar, outra estava com medo desta cópia produzida sem meu consentimento. Roubaram meu DNA em algum teste de Covid? Do chão do salão de beleza onde corto o cabelo? De algum copo usado, como fazem nos filmes?
Outra possibilidade seria uma irmã gêmea nunca revelada. Nascemos juntas, fomos separadas no hospital, um segredo de família. Venderam a menina, agora ela usava o meu nome para se aproximar de mim e executar um plano de vingança – mesmo eu não tendo culpa de nada. Por algum motivo não achei que seria boa bisca, a tal Socorro Acioli insistente. O plano poderia ser macabro, tomar meu lugar no mundo, roubar meu namorado, minhas filhas, assumir minha identidade e me deixar amarrada em um cativeiro para sempre lá pras bandas de Limoeiro do Norte.
Depois que tomei café da manhã as ideias abrandaram e pensei em algo menos trágico: poderia ser a Socorro do futuro avisando alguma coisa para me ajudar. Aí sim, comecei a ficar interessada na conversa. Porque se hoje eu pudesse ligar para a Socorro do passado a vida teria sido bem diferente. E se fosse isso? Será que devo atender? Eu atendi. Para minha decepção, ela ficou muda. Não disse nada. Estaria emocionada por falar comigo? Perdeu a voz? Foi tomar água com açúcar?
Comentei nas redes sociais o que estava acontecendo e as pessoas mais pragmáticas me trouxeram de volta à realidade: trata-se de um golpe para roubar a senha do whatsapp, os dados do telefone e extorquir dinheiro. Muito menos literário do que tudo que imaginei. A Socorro clone, a Socorro gêmea do mal, a Socorro sábia do futuro, nenhuma delas existia. Era só um golpe, uma bandidagem das mais vagabundas. Parei de atender e a falsa Socorro Acioli golpista parou de me ligar.
Fiquei pensando se isso pudesse mesmo acontecer, receber um telefonema do futuro me trazendo respostas. A vida é uma aventura às cegas, que dureza. Dois minutos com a Socorro de 2030 já seriam um grande alívio, facilitaria muito as coisas. Eu sei exatamente o que eu perguntaria.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.