Para que serve a poesia em tempos de fome? Se os indicadores sociais e econômicos do Brasil espalham o pessimismo e a desesperança, se vivemos uma pandemia global com um número assustador de mortos, por que as editoras continuam publicando livros com versos? As redes sociais estão cheias de pequenos textos com poucas palavras, rimadas ou não, que falam de coisas abstratas, sentimentos, entendimentos sobre pensar e existir.
As pessoas escrevem nos guardanapos, nas mãos, nos muros, tatuam versos no corpo. E por que tanta poesia, se estamos em guerra pela vida?
Primeiro é preciso entender o que é poesia e isso não é muito fácil explicar. Poema e poesia são coisas diferentes. O poema é um conjunto de palavras reunidas em um corpo de significado. Pode ter rima, pode contar uma história, associar uma coisa a outra, louvar um rio, enaltecer a beleza de um rosto, falar de uma dor. Poemas são escritos desde que existe a palavra.
De Camões a Patativa do Assaré, de Florbela Espanca a Adélia Prado, as canções das línguas dos povos originários, é parte natural da relação humana com a linguagem traduzir as coisas da vida em estrofes.
Já a poesia é um estado de espírito. Ela não está somente nas palavras, mas nas coisas. Há poesia no sorriso e no olhar, no céu, nos milagres miúdos de todo dia. Às vezes amontoar palavras não gera nenhum efeito de emoção ou espanto, nada mesmo. Nem todo poema é poesia. Escrever um bom poema é como catar feijão, disse João Cabral de Melo Neto. É necessário fazer uma demorada escolha de palavras para acertar as que encaixam no lugar certo.
Ele disse também que a poesia é algo feito em laboratório, é quase uma experiência científica achar um bom verso. Exige trabalho, esforço de memória e emoção, uso de dicionários, escrever, riscar, fazer de novo. Até que o diamante esteja polido e belo.
E para que serve a poesia em tempos de dor? Para lembrar que a vida é muito mais do que está visível. O que pode haver de mais imortal do que os cantos que atravessam os séculos? A boa literatura rasga os limites do tempo e conserva a dor e o amor da alma humana. A música é um exemplo disso, um poema cantado, feito para se cantar, morar nas bocas e nos ouvidos, enfeitar o vento, ser transportada, alegrar quem escuta.
Estamos precisando muito de poesia. Justamente por ser tempo de fome, de dor, de guerra. Tanto necessitamos do verso silencioso, que se lê na solidão, quanto do que se canta a plenos pulmões.
É quase uma cura da desesperança pousar na rotina dos dias um tempo de alívio para os nossos corações. Desconheço presente mais bonito que escrever um poema para alguém. Em verso ou prosa, desenhar com palavras um sentimento bom para quem merece.
Vale a pena tentar escrever para alguém sobre as coisas belas que permanecem e se fortalecem, apesar de tantos sofrimentos. Por isso mesmo precisamos da poesia. Tanto a das mulheres e homens que publicaram livros e inventaram canções, quanto as nossas, aquelas que nascem quando o coração quer dizer alguma coisa. Para que serve organizar palavras no papel em tempos de dor? Para brotar um sorriso, cultivar os sonhos, fortalecer a alma. Sorrir, sonhar e ter força é o que mais precisamos reaprender todos os dias.