Volto ao colonialismo ocidental e à sua derivação tupiniquim: o colonialismo brasileiro do Sul para com o Norte. Na coluna passada, abordei a questão paleontológica. Volto ao tema, trazendo argumentos de como o não retorno de fósseis para o Cariri pode, sim, estar ferindo a lei e a ética.
Vamos à questão da ilegalidade. É o caso do Ubirajara jubatus. Foi para a Alemanha e até agora não há promessa de devolução. É ação clara do colonialismo cultural da Europa com o Brasil. África e América Latina permanecem sendo vistas como terra de exploração.
A Ásia escapa dessa sina com o desenvolvimento da China, da Coreia do Sul, da Índia e do Japão, que têm investido em produção cultural: divulgação de idioma, cinema e música. Eles sabem que, na luta por influência global, a cultura é arma mansa e de resultado garantido.
No caso do fóssil que foi para a Alemanha, como todo produto mineral, é bem da União, logo público. Por isso é quase que inquestionável a ilegalidade da permanência da peça lá.
Já em relação ao que acontece aqui no Brasil, não há ilegalidade. Os fósseis são repatriados quando são trazidos de volta para o território brasileiro. E a repatriação é feita de instituição para instituição. O representante do museu daqui entra em contato com o representante do museu de lá e tenta a repatriação. Mas a questão é outra. Entra na ética.
"Não existe ilegalidade na deposição desse fóssil no Rio de Janeiro [caso do fóssil que voltou da Bélgica direto para o Museu de Ciências da Terra], mas fere o princípio ético quanto ao propósito de criação do Geopark Araripe, que é a salvaguarda do material da Bacia do Araripe e a promoção do desenvolvimento sustentável com base no turismo científico baseado nos fósseis da região", afirma o professor Antônio Álamo Feitosa Saraiva, que, assim como outros cientistas e não cientistas, está indignado com essa situação.
E aí pergunto: os mesmos cientistas que vêm ao Cariri e são tão bem recebidos para participar de escavações acham realmente justo que o território onde foram explorados os fósseis não seja o escolhido para que sejam expostos e virem atração do turismo científico?
Como disse o professor, o Cariri é um Geopark, um título da Unesco dado a áreas de reconhecido valor para a história do planeta. É o único Geopark do Brasil! O único. Há muitos motivos para essa escolha, mas é consenso que o principal deles é a preservação de fósseis.
Diante disso, o que justifica o não retorno de peças preciosas como os fósseis dos pterossauros Tupandactylus imperator e Tupandactylus navigans? A explicação pode estar, sim, nessa que estamos chamando de derivação brasileira do colonialismo ocidental.
Eu sou do Cariri. Nasci no Crato. Fui criado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Percebo, desde jovem que, em diversas áreas do conhecimento, ainda há um quê de suposta superioridade quando se comparam atuações profissionais e decisões por investimento Sul-Norte do Brasil.
E quem é do Sul costuma levar a melhor. É fato. É questionável? É. Mas evidências há e estão por aí, como no caso dos fósseis. Dois pterossauros! E sequer um não volta para o território onde foi encontrado?
Detalhe é que o Geopark Araripe é dividido em geossítios. E um deles se chama justamente Vale dos Pterossauros, o que soa como ironia diante do fato de que os fósseis dos animais, quando são encontrados, por aqui não permanecem.
Há quem diga que esse relato todo feito aqui é puro coitadismo. Mas se engana. A denúncia do colonialismo é o primeiro passo para enfrentá-lo. E esse vai ser o nosso próximo ponto. Vamos falar de quando o Cariri quis se tornar independente. Só que essa prosa só teremos daqui uns dias, após as férias do cronista, que andará pelo Sertão. Até logo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.