Indígenas da Venezuela são acolhidos no Cariri e aprendem a ler em escola pública

E gostam tanto da escola municipal José Geraldo da Cruz, no bairro Salesianos, que perguntaram à professora se era possível continuar indo mesmo durante as férias

Na quinta-feira (3), foi a volta às aulas na rede municipal de Juazeiro do Norte. Entre milhares de estudantes, estão os irmãos Gabriel, 10 anos, Yoleydy, 13, e Eudis Zapata, 15. Eles são venezuelanos da etnia Warao, indígenas do delta do Orinoco, o principal rio daquele país sul-americano, que, em crise humanitária há anos, tem perdido seu bem mais precioso: o povo.

Os três irmãos estão sendo alfabetizados. Quem assumiu essa missão foi a colombiana radicada no Cariri Zuley Jhojana Duran Peña. A professora está no Brasil para fazer pós-graduação por meio de convênio com a Colômbia. O fato de ser falante de espanhol facilita a comunicação. Apenas a mais velha dos irmãos domina o idioma, ajudando a transmitir as informações aos outros dois, que só falam o Warao.

As aulas são realizadas por meio da escuta, usando música e contação de histórias, que é para aproximar as crianças dos sons da língua portuguesa. Os alunos também têm contado direto na sala de aula com mais de 20 colegas. Apesar de estarem em idades diferentes, convivem no mesmo ano do ensino fundamental porque ainda não podem ser separados.

Na alfabetização, também é utilizado um glossário Warao, fornecido pela Unicef. O material traz palavras dessa língua traduzidas para o português e o espanhol. Na lousa da sala de reforço, cartazes relembram algumas das expressões mais usadas, tudo nos três idiomas.

Matriculados desde fevereiro, os irmãos estão cada vez mais adaptados. E gostam tanto da escola municipal José Geraldo da Cruz, no bairro Salesianos, que perguntaram à professora se era possível continuar indo mesmo durante as férias.

Percebo que tudo o que está sendo feito está gerando frutos, pois os alunos, a cada dia, se incluem mais, frequentam diariamente a escola, já estão diminuindo a timidez, e o vocabulário deles em português está aumentando. São muitos os desafios ainda por vencer, mas o importante é que eles estão na escola, socializando, aprendendo e descobrindo como é viver em um novo país
Zuley Jhojana Duran Peña
Professora

Os irmãos fazem parte de uma família numerosa que se refugiou no Brasil. Além dos três, há outros dois, ainda sem idade escolar, a mãe, que é dona de casa, e o pai, que trabalha descarregando caminhões. Conforme disse a diretora da escola, eles estão vivendo com aluguel social, pago pela prefeitura, e têm tido apoio de secretarias como Desenvolvimento Social e Saúde. Antes de chegar ao Cariri, passaram por João Pessoa e também por Fortaleza.

E poderíamos dizer que não haveria melhor lugar para que fossem acolhidos. Juazeiro do Norte, a maior cidade do miolo do Sertão, é ela própria uma terra construída por pessoas que deixaram sua origem para aqui começar nova vida. 

O mesmo fizeram tantos outros, principalmente adventícios do que chamamos de Nação Romeira, como Alagoas, Pernambuco e outros estados do Nordeste. Buscavam fé, trabalho e respeito. Muitos fugiam do arbítrio político ou econômico. E é justamente essa sina que tem expulsado as famílias venezuelanas. 

Pior para aquele país, melhor para todos nós, que ganhamos irmãos, pessoas que estão chegando para contribuir com o crescimento desta região. 

O próprio padre Cícero Romão Batista fez isso, mesmo que tenha vindo de 10 quilômetros de distância, o Crato. Gostou tanto de Juazeiro do Norte, que nunca mais voltou a morar lá.

Sabe qual é a diferença de Juazeiro do Norte para qualquer outro lugar no Sertão? Aqui ninguém pergunta seu sobrenome. Aqui todos somos romeiros que professam a mesma fé: o trabalho.

As crianças venezuelanas da etnia Warao logo vão entender isso. Que sejam muito bem-vindas!