Recentemente, uma pessoa me perguntou se era possível manter um relacionamento em que a relação sexual era desastrosa. Essa pessoa, visivelmente angustiada, relatou não suportar mais fingir orgasmos. Certamente, essa é uma situação conhecida de muitos. No entanto, reafirmo o que disse naquela ocasião: o que me surpreende não são os percalços de uma vida sexual insatisfatória - para isso, existem tratamentos, terapias sexuais, e até mesmo medicações, se necessário. O que realmente me espanta é um casal ter espaço para compartilhar intimidades físicas, literalmente se desnudarem, mas não terem a intimidade emocional para serem honestos um com o outro, para discutir e resolver essas questões. Entre esse, e tantos outros casais, o silêncio e a mentira falam alto demais.
Não precisa ser psicólogo para compreender que alguns relacionamentos parecem dificultar ainda mais que algumas verdades sejam postas à mesa. É bem comum escutarmos frases como: "Não posso dizer que encontrei fulano"; "ela perguntou se a roupa estava boa, mas não posso dizer que não gostei"; "não posso admitir que minha ex é bonita, ainda que a atual pergunte"; "não posso expressar que o sexo não me satisfaz"; "apesar de ela perguntar, não posso dizer que ela ganhou peso"; "não posso revelar minha opinião sobre a família dele"; "não posso confessar que esqueci de comprar o que ela pediu"; "não posso admitir que não tenho mais tanto interesse em ir para tal lugar"; "não posso dizer que o presente que ele me deu não me agradou".
Poderia passar horas listando as inúmeras mentiras cotidianas que ouço serem reveladas em minha clínica. Embora muitos anseiem por relacionamentos autênticos e verdadeiros, a falta de honestidade no dia a dia é mais comum do que se imagina. Surge então a questão: diante de relacionamentos repletos de mentirinhas, será que tantas pessoas são realmente desonestas e mentem em detalhes pequenos por serem inescrupulosas? Sou testemunha do desconforto de muitas pessoas que mentem em seus cotidianos e sei que nem sempre mentiras dizem de valores corrompidos.
É preciso compreender que, ao explorarmos essas mentiras cotidianas, encontramos outros elementos que vão além dos nobres valores como a honestidade e o apego à verdade. E, para compreender isto, é necessário guardar certo moralismo no bolso e refletir: nem todas as pessoas mentem por serem mentirosas ou desprovidas de valores. Muitas vezes, a mentira surge porque o ser humano é contextual. Alguns contextos trazem à tona o melhor de nós, enquanto outros contextos parecem aflorar o que há de mais mesquinho em nossa natureza, por exemplo: todos devem conhecer alguém que, em um relacionamento, o ciúme não era um problema, porém, em outro relacionamento, certo ciúmes trouxe até mesmo uma certa perda de controle.
Compreendendo isso — que contextos impactam o funcionamento humano — podemos refletir que diante de um parceiro “mentiroso”, de uma parceira “mentirosa”, não é somente a integridade dele/dela que deva ser questionada. É preciso refletir sobre o nosso próprio comportamento, como a nossa reação diante de algumas verdades pode, fatalmente, alimentar a dinâmica da mentira. Temos uma grande contribuição nos padrões de comportamento dentro de nossos relacionamentos, de modo que nem sempre somos a vítima que pensamos ser. Podemos ganhar muito se nos questionarmos: há algo em meu comportamento que possa alimentar a mentira do Outro?
Algumas vezes, um parceiro pode inadvertidamente incentivar o outro a mentir. Cada vez que uma verdade é recebida de forma escandalosa ou dramática, com toques de chantagem emocional, é como se estivéssemos comunicando nas entrelinhas: "Aqui não é um ambiente seguro para a verdade” e, assim, ensinamos o outro a mentir para nós.
Para ilustrar isso, considere uma cena bastante corriqueira: uma mulher questiona seu cônjuge se ele acha que tal roupa a faz aparentar estar mais gorda e ele responde “sim”. Certamente é fácil imaginarmos essa mulher recebendo a honestidade do parceiro como uma ofensa (o que também denuncia a gordofobia e a lipofobia de nossa sociedade). Podemos, mais facilmente, imaginá-la chateada, retraída e até mesmo achando que algo no amor mudou, do que imaginá-la feliz e grata pela honestidade do marido. Caso a recepção à verdade não seja das melhores, certamente, em uma próxima situação esse cônjuge pensará duas vezes antes de ser honesto. Esquecemos que nossa reação à verdade pode encorajar ou desencorajar a sinceridade mútua.
Não estou aqui sugerindo que você adote novo um padrão de mentiras, fingindo não se importar com a verdade que o outro diz. No entanto, é importante considerar que, se você deseja que o outro seja honesto com você, é fundamental criar um ambiente propício para a verdade florescer. Parar de cobrar um heroísmo do outro (que deverá dizer a verdade custe o que custar) e preparar um terreno em que a verdade possa germinar é urgente para aqueles que ainda prezam pela verdade e honestidade em seus relacionamentos. E é para isso que, muitas vezes, nossas reações às verdades devem ser repensadas.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.