Um meme me faz gargalhar, rolo o dedo. Abaixo dele, a notícia de 17 mil mortos. A fotografia do final de semana feliz de minha amada amiga com sua família, rolo o dedo. Mais um feminicídio. Uma notícia bombástica do tumultuoso político brasileiro, rolo o dedo. Mais uma cidade atacada na Guerra da Ucrânia. Um anúncio de mais um curso milagroso, rolo o dedo. Um descarrilhamento e a explosão de um trem com grave risco ambiental e para a saúde.
A estrutura de feed denuncia a velocidade à qual somos submetidos. Não tive tempo sequer de contar a alguém sobre o meme risonho e já estou em luto pela Turquia e Síria. Nem tive tempo de fazer uma oração pela graça da família de minha amiga, pois já estou revoltada como a vulnerabilidade das mulheres, vítimas constantes de crimes medievais, ainda persiste em pleno 2023.
Não tive tempo nem de refletir sobre os entraves políticos de Brasília, e logo já estou consternada com essa guerra sangrenta. Sequer consigo formular um juízo crítico sobre o curso que promete “vencer na vida”, pois logo já estou atônita com os vídeos da explosão horrenda de um trem nos Estados Unidos.
As informações nos chegam em ritmo frenético, não temos tempo de digeri-las. Não rimos nem choramos em profundidade. Há apenas pura perplexidade. Logo abaixo há outro afeto, completamente diverso, a ser despertado.
Temos mais acesso hoje a informações e livros que todos os grandes filósofos da Antiguidade. Provavelmente lemos mais que Santo Agostinho, nascido em 354 depois de Cristo, que precedeu em séculos a possibilidade de ter em suas mãos livros impressos.Entretanto, o excesso de informações ao qual temos acesso, a enxurrada de estímulos diários, contraditórios, não convoca a nenhuma reflexão.
Lemos o dia inteiro: feeds, tweets, mensagens em whatsapps e telegrams. Nunca lemos tanto, mas nunca refletimos tão pouco. As notícias nos chegam, mobilizam afetos, passamos para a próximo notícia. Não há tempo de maturação, não há reflexão.
Nossa atenção parece fragmentada. Há quem se orgulhe, de modo bobo, de se dizer “multitasker”. Este se convence que ter uma boa atenção alternada em vários pontos ao mesmo tempo é algo vantajoso. Contudo, esquece o que o filósofo sul coreano, Byung-Chul Han, nos alerta: multitasking é primitivo. Homens e mulheres primitivos precisavam estar sempre alertas, precisavam olhar a prole e cuidar do entorno ao mesmo tempo, temendo se algum predador não estaria à espreita.
Parafraseando Hamlet, há algo de podre no reino dos feeds e do mundo caça-likes: o excesso de informação.
Na contramão do óbvio, há aqueles que começam a entender que o conhecimento precisa decantar, os afetos precisam maturar, que é preciso tempo e, sobretudo, silêncio para reflexão. Estes estão cansados de uma mera mobilização efêmera de afetos, querem silenciar e compreender o que sentem, o que pensam. Silêncio se tornou artigo de luxo - encontrá-lo na sua rotina, inclusive, é pouco provável.
Alguns, como eu, têm batido em retirada, buscam retiros nos quais o artigo de luxo, silêncio, é ofertado. Só ali parece que conhecerão o som do silêncio - se grita ou se canta. Independentemente da descoberta, ao menos, um pequeno passo foi dado.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora