Novo single “Anjos Tronchos” e a visão de Caetano Veloso sobre o mundo cibernético

Faixa que antecede o álbum “Meu coco”, dita a essência inovadora do compositor tropicalista

Dizer que a tecnologia foi inimiga do genial Caetano Veloso seria uma mentira. O artista, no decorrer de 2020, soube aproveitar bem o mundo “virtual” para conquistar novos públicos e até outras vitrines. Suas conversas informais com sua esposa, a atriz Paula Lavigne, mostrou um astro humanizado, de pijama, despenteado e alheio a opinião da crítica.

Foi dentro da naturalização (ou personificação) do baiano, que o fez ter a live mais esperada do ano, além de várias projeções de alguém que se mostra atemporal diante da juventude que permeia sua mente e trajetória. Caetano não para e agora lança novo single após anos de abstinência de inéditas.

“Anjos tronchos” é faixa que antecipa o seu álbum “Meu coco” e mostra um compositor ousado, ativo quanto às suas propostas e reorganizador de uma caos que resgata o tropicalismo que lhe pariu. O mundo mudou, mas o filho da dona Canô segue contestando o que há de atual e consegue ser mais presente do que a própria realidade.

Na nova música, Caetano Veloso traz certa sobriedade que o tempo tinha lhe tirado. Em uma letra que remete a desconstrução, o ilustre cantor joga verdades sobre o mundo tecnológico e sua ganância desenfreada. O seu desespero contido reluz em cada palavra muito bem colocada na mixagem de Daniel Carvalho.

“Agora a minha história é um denso algoritmo”

Apesar da crítica completamente lógica de “Anjos tronchos” ao mundo cibernético, a ideia de aversão a tal forma de mídia pode ser uma incoerência do artista. Caetano Veloso é um dos queridinhos das redes sociais e, em uma boa jogada de marketing, sabe se posicionar diante disso.

Além de lançar shows e até documentário no mundo da “internet” durante o ano de 2020, o parceiro de Gilberto Gil, usa e abusa dos streams para propagar seu brilhante nome dentre um público que o conhecia mais pouco venerava. Apesar das minhas palavras parecerem críticas, ao contrário, considero uma grande “tirada de chapéu” para o compositor que sabe se adequar ao tempo.

 Além do excelente single, por meio de outra plataforma digital, o grande público pode visitar a obra de Caetano Veloso na Globoplay que agora relançou sua série de shows, junto do Chico Buarque, para os assinantes da plataforma. O espectador terá acesso à uma fase muito próspera do artista em parcerias marcantes.

Essa série de lançamentos do ídolo só mostram sua eternidade dentro da música popular brasileira, além disso, depois de tentativas não muito bem sucedidas de um resgate tropicalista nos últimos trabalhos, o baiano consegue voltar às suas origens no novo single que trabalha a desconstrução lógica de versos musicalizados em “Anjos tronchos”.

“Neurônios meus ganharam novo outro ritmo/E mais e mais e mais e mais e mais” trabalha a ganância do mundo moderno desenfreado em ambições que resulta em “Primavera Árabe” e fatídicos “Palhaços líderes” que brotaram macabros, segundo os versos do compositor.

Estamos sem tela e sem pele. “Que é que pode ser salvação?” Pouco se sabe diante o capitalismo louco que predomina em um mundo desfeito de utopias e sonhos. O dinheiro, lucro e faturamento destroem a poesia que lá atrás, ainda em “Alegria, Alegria” o mesmo artista almejou. 

O tempo não para, porém ele nunca envelhece

O lançamento de um novo trabalho fonográfico de Caetano Veloso vai muito além da própria música e mostra que o compositor continua antenado e inquieto diante o mundo e seu tempo. Tudo pode passar, mas ele se esforça para continuar sendo presente mesmo diante das diversidades.

O baiano voltou aos palcos nas últimas semanas em turnê internacional. A escolha de outros países para o seu retorno foi a situação da pandemia que nesses locais, devido a fluída campanha de vacinação, já sofrem menos restrições do que no Brasil. Com repertório sempre afiado, o artista é sucesso por onde passa, seja com orquestra ou voz e violão.

No novo single, fruto da parceria da Uns Produções com a gravadora Sony Music, Caetano quebra o ciclo de quase dez anos sem inéditas e mergulha em um novo mundo no qual ele mesmo também criou. Suas abstrações resultam em um presente claro de um artista que não tem vergonha de alçar vôos, mesmo que estes não cheguem a ser sucesso.