O nosso eterno poetinha Vinícius de Moraes completaria aniversário hoje. Seu olhar fervente diante a vida e os sentimentos ultrapassam o centenário. Seu sonho boêmio e apaixonado faz do seu nome um marco dentro do mundo romântico brasileiro.
Junto com o espírito livre que só os corações delirantes ousam viver, o diplomata afirma por versos que o “poeta só é grande se sofrer”. O trecho pertence ao Samba-canção “Eu não existo sem você", fruto de sua parceria de almas com o maestro Tom Jobim, e que também foi faixa no clássico “Canção do Amor Demais”, gravado pela Divina Elizeth Cardoso.
Acontece que mesmo sendo composta na década de 1950, a frase ecoa em muitos corações, até os que não sabem fazer nem verso ou rima. Já que “a tristeza não tem fim e a felicidade sim”, questiono ao Poetinha o motivo de sofrermos tanto por amor e o porquê cantamos tais dores e desgostos?
Da Bossa para a Fossa
As palavras “bossa” e “fossa”, apesar de sentidos distintos dentro da música, podem ecoar em versos similares de poesia. Talvez, também na vida! A leveza dos beijinhos e carinhos também é acompanhada de uma saudade que precisa chegar ao fim. O amor sempre foi a base para a Música Popular Brasileira, e seu desfazer em choro, brigas e solidão virou matéria prima para tal arte.
Dos nem tão longínquos tempos do nosso cancioneiro popular, Noel Rosa, em suas crônicas musicais do cotidiano cantou os mais variados dilemas pessoais e coletivos. Mesmo em batidas que já introduziram algo do samba, a melancolia e a solidão também foram motivos do seu som.
Existe algo mais tristonho que o eu lírico da letra de “Três Apitos” afirmando que “nos meus olhos você vê/Que eu sofro cruelmente/Com ciúmes do gerente, impertinente/Que dá ordens a você”? Ou então mais sofrido que os versos de “Último Deseja”, também do Poeta da Vila Isabel que canta “Nosso amor que eu não esqueço/E que teve o seu começo/ Numa festa de São João/ Morre, hoje, sem foguete/ Sem retrato, sem bilhete/ Sem luar e sem violão"?
A tradição de sofrer por uma intensa paixão só se perpetua. Sai de Noel, ainda na década de 1940 e ganha destaques nos anos seguintes. Na grande era “Era do Rádio”, onde a música brasileira bebeu de estilos mais dramáticos, como boleros e tangos, a dor de cotovelo era o único tema existente.
Todos os cantores da época se davam o direito de sofrer sem qualquer tipo de preconceito, homens e mulheres. Chorar e se afogar na bebida era o tema mais comum e bem aceito dentre as mais diversas rodas do país.
O gaúcho Lupicínio Rodrigues, ganhou destaque dentro desse “hall”. Foi do orgulho ferrenho de assistir seu ex-amor sofrendo à ironia de oferecer a mão para quem no fundo deseja só vingança. Canções como “Nunca”, “Esses Moços”, “Cadeira Vazia” e “Nervos de Aço” são bons exemplos disso.
Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Francisco Alves, Dircinha e Linda Batista, Isaurinha Garcia, Vicente Celestino, Cauby Peixoto, Marlene, Ângela Maria, Carlos Galhardo... Todos fizeram do seu canto um sofrer de amor sem fim. Aliás, dentro da lista jamais pode ser esquecida a briga de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, que duelaram pelo o divórsio por meios das canções até a última “Bandeira Branca”.
Depois dos cantores de vozeirão surgiu um ritmo já mencionado, o samba-canção, gênero dramático mas tão sofisticado como a Bossa Nova. Para inaugurar esse novo som vem Nora Ney cantando “Ninguém me ama/Ninguém me quer” de Antônio Maria. Tem sofrimento mais pavoroso que esse?
Ainda no período surge a estupenda Dolores Duran, Doris Monteiro, Dick Farney, Lúcio Alves e muitos outros. Até o próprio João Gilberto alcançou seus primeiros passos no mundo artístico nesse momento, junto com outros grandes nomes que agora iam chorar de outras formas um mesmo dissabor.
A Bossa Nova, na década de 1960, celebrou a doçura de um estilo mais leve e minimalista, que também sofreu pelos bares cariocas para existir, mesmo que tal sensação pareça amena mesclada em palavras bonitinhas e que melodia envolvente. A própria “Garota de Ipanema” faz Tom e Vinicius questionarem o motivo de tanta solidão e tristeza.
Sofrer por amor é necessário e há quem afirme que chega a ser inspirador. Historiadores e fãs até contam que a melhor fase do Roberto Carlos como compositor foi diante do amor conflituoso e secreto com sua primeira esposa Cleonice Rossi Braga. O artista nunca admitiu, mas de alguma forma a ideia tem sentido.
“Pra ser só minha mulher”, “Meu Grito”, “Os Botões da Blusa”, “Tanto Amor” e outros muitos sucessos surgiram aí e o “romântico” fez daquele garoto estreante da “Jovem Guarda” do “Rei” do cancioneiro popular do país, e não à toa, como um bom ídolo, até hoje usufrui da façanha conquistada.
Sou tão sentimental!
Todos os gêneros da música brasileira sofreram por amor, do samba à lambada. O brega, por exemplo, fez os corações sangrarem em noites de boêmia sem fim. Para os tempos mais atuais, o forró e o sertanejo se esbanjaram na dor de cotovelo, inventando até uma tal de "sofrência" que ganhou o país.
Sofrer por um amor almejado tem seu valor e agora retorno ao Poetinha para dizer que "ter medo de amar não faz ninguém feliz". A pandemia mostrou nitidamente o que já sabíamos: para as dores da alma recorremos a arte para respirar novos ares, delirar em uma realidade inventada que talvez não nos pertença tanto. Escrever sobre o dissabor da paixão é algo íntimo e ao mesmo tempo coletivo e a música vem para traduzir isso.
Antes de encerrar, caro leitor, lhe indico que , se precisar, mergulhe em uma boa dor de cotovelo, curta sua fossa... Falo isso por propriedade no assunto, de quem sofreu e continua sofrendo por amor, mas não esconde um turbilhão de intensos desejos do corpo e da alma que fazem pulsar esse coração. Ame sempre! Saravá, Poetinha!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.